19
de abril de 2015 | N° 18137
L.F.VERÍSSIMO
Cafés
Depois
de uma visita à Espanha, escrevi sobre uma tradição dos bares de Madri: a
tertúlia, a arte da conversa, ou a conversa transformada em ritual. A conversa
não precisa ser sobre nada específico, e pode ser sobre tudo, dos touros à vida
alheia. A única regra da tertúlia é que local, hora e periodicidade sejam fixos
– um determinado café, no fim da tarde, todas as quintas-feiras, por exemplo. A
conversa como uma das artes existe na Espanha desde o século 18, e grandes
movimentos artísticos, literários e políticos nasceram em tertúlias famosas de
bar.
Houve
uma época – segundo o autor de um guia que nos acompanhou na visita a Madri –
em que a importância da tradição era tão grande, que não se concebia que um
escritor, um artista, um filósofo ou um político não tivesse talento para a
tertúlia. De um intelectual que se negava a frequentá-las se dizia “lhe falta
café”.
Diminuiu
a importância das tertúlias, mas elas continuam em cafés, como o Gijón e o
Comercial. O mesmo autor citado encerra seu texto assim: “Não se pode imaginar
a Espanha, e Madri especialmente, sem tertúlias. Hoje, como ontem, parece
pertinente o conselho de um velho ‘concertulio’ que dizia: ‘En la vida, son
fundamentales três elecciones: estado, profesion y café’”.
Pensei
nisso porque descobri um livrinho – livrinho mesmo, 66 páginas fora introdução
e notas – do George Steiner chamado A Ideia da Europa, em que ele começa
escrevendo sobre a importância do café na história do continente. Na política e
na cultura europeias, certamente nunca faltou café. E Steiner cita desde o café
favorito de Fernando Pessoa em Lisboa até os cafés frequentados por Kierkegaard
em Copenhagen, passando pelo café favorito de Stendhal em Milão, o de Casanova
em Veneza e os de Baudelaire em Paris.
Os
cafés não eram apenas lugares para intelectuais se inspirarem ou se consolarem
– e tomarem café, claro –, mas também foram notoriamente locais de conspiração,
debate político e tertúlias históricas. Quem quisesse encontrar Freud, Musil e
Karl Kraus num mesmo local sabia exatamente em que café de Viena procurá-los.
Danton
e Robespierre, os dois líderes da Revolução Francesa, encontraram-se
pessoalmente pela última vez no Café Procope, que ainda existe em Paris,
invadido por turistas. Talvez, naquele último encontro, conjeturassem sobre
qual dos dois seria o primeiro a ser engolido pela revolução. Num café de
Genebra, Lenine escrevia suas teses, só parando para jogar xadrez com o
Trotsky.
Os
protótipos de cafés europeus, para Steiner, devem ser os da sua juventude na
Alemanha, lugares para ler jornais de graça, escrever poemas ou tratados
explosivos, fugir do frio e passar o dia. E o contrário dos cafés idealizados
por Steiner é o bar americano, que tem a sua própria mitologia, mas nada a ver
com a ideia da Europa mantida viva nos seus cafés.
Ou
alguém pode imaginar Sartre escrevendo sobre a fenomenologia no balcão de um
bar americano, arriscado a ser corrido do local por estar consumindo pouco?