RUTH
DE AQUINO
17/04/2015
20h36
O enigma do tesoureiro
Tesoureiros
têm a chave do cofre e apenas obedecem. Vaccari não é diferente de Delúbio
Soares ou PC Farias
Decifra-me
ou te devoro. João Vaccari Neto não é boquirroto, não ergue punho cerrado, fala
baixo e sempre arrecadou quieto para o PT. Bancário e sindicalista, Vaccari é considerado
um soldado do Partido dos Trabalhadores. Aos 56 anos, com olhar triste ou
resignado e aquela barba branca de ursinho fofinho, o agora ex-tesoureiro do
PT, afastado após meses de corda bamba, parece ter a consciência tranquila de
quem apenas cumpriu ordens. E com eficiência.
Essa
é a sina dos tesoureiros. Eles têm as chaves do caixa e do cofre e apenas
obedecem. Vaccari não é diferente de Delúbio Soares, o operador do mensalão. Não
é diferente de PC Farias, o tesoureiro de campanha de Fernando Collor nas eleições
de 1989. PC Farias foi acusado de ser testa de ferro de Collor em vários
esquemas de corrupção.
A
diferença, a favor (?) de Vaccari, é o valor. PC Farias teria arrecadado de
empresários privados o equivalente a US$ 8 milhões em dois anos e meio do
governo Collor (1990-1992). O “esquema PC” movimentou mais de US$ 1 bilhão dos
cofres públicos. Tudo fichinha diante dos atuais desvios denunciados pela Lava
Jato – apenas a Petrobras admite um prejuízo de R$ 6 bilhões.
Vaccari
não poderia ser abandonado por Lula e Dilma até cair. Por mais que setores do
PT alertassem para afastar o tesoureiro antes da tragédia anunciada, como
abandoná-lo sem que ele se sentisse traído? Alguns dirigentes do partido têm
medo que Vaccari possa, encarcerado, virar um “homem-granada”, depois de ter
adquirido, com razão, a fama de “arrecadador eficiente”. O caixa do PT era um
antes dele. E outro depois. Em 2007, o PT arrecadou R$ 8,9 milhões; em 2009, R$
11,2 milhões. Em 2010, Vaccari passou a comandar a tesouraria. Sucesso absoluto.
Em 2011, o PT arrecadou R$ 50,7 milhões; em 2013, R$ 79,8 milhões.
Presidente
do Sindicato dos Bancários desde 1994, Vaccari entrou no Banespa aos 19 anos
como escriturário. Sindicalista de alma e ação, participou da fundação da
Central Única dos Trabalhadores (CUT). De lealdade canina ao PT, Vaccari age
como os que servem ao chefe e à chefa sem perguntar o que é moral, amoral ou
imoral. O tesoureiro não move um músculo do rosto quando acuado, só as rugas de
expressão na testa denunciam o desamparo. Disse candidamente à CPI da Petrobras
que não sabe por que motivo foi ao encontro do doleiro Alberto Youssef.
Em
fevereiro, recusou-se a abrir o portão de sua casa para a Polícia Federal. Os
policiais pularam o muro para cumprir mandado de busca e apreensão. Vaccari já flertava
com o malfeito havia tempos. É um dos réus no Caso Bancoop. Acusado de crime de
formação de quadrilha, estelionato, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro,
por desvios milionários e prejuízo a cooperados que não receberam suas casas.
Vaccari
foi finalmente preso no dia 15 de abril. Essa prisão, que envolve acusações à família
do tesoureiro – mulher, filha e cunhada –, é mais que simbólica. A história
contemporânea dos tesoureiros é prova disso. Eles podem levar a culpa por tudo.
Podem fugir para a Europa, para a Tailândia. E até ser assassinados, como PC. O
ex-patrão de PC, Collor, tornou-se amigo dos reis. Dá para entender a amizade. É
a “nomenklatura”. Eles se reconhecem, se afagam, se solidarizam.
Não
sei se Dilma Rousseff hoje se vangloria de ter vencido as eleições. O preço é alto
demais. A cada manhã, ela depara com uma nova denúncia. A cada fim de tarde,
sofre uma nova derrota. A cada divulgação de números – do PIB à Educação,
passando por todos os setores essenciais –, Dilma se confronta com o fracasso
de seu primeiro mandato e com o desperdício de anos de irresponsabilidade
fiscal e gastos desmesurados da máquina, comprometendo os bancos públicos.
Dilma
poderia hoje estar apenas pedalando sua bicicleta caso tivesse perdido as eleições.
O Brasil deve esquecer essa história de impeachment. A presidente tem de expiar
publicamente seus pecados, submeter a economia e a política a ajustes de
valores numéricos e morais e recolocar o país num rumo que reverta a herança
maldita.
Agora,
o tesoureiro está preso. Em entrevista à CNN espanhola, Dilma foi categórica. “Estou
segura de que minha campanha não tem dinheiro de suborno.” Dilma tem “certeza” disso
porque suas contas da campanha foram todas “auditadas” e “aprovadas”. “Gostaria
de dizer o seguinte: se alguma pessoa ganha dinheiro de suborno, essa pessoa
será responsável. É assim que deve ser.” Quem será essa pessoa que transformou
propina em doação legal? Quem será?
O
procurador Deltan Dallagnol disse que “Vaccari tinha consciência de que os
pagamentos eram feitos a título de propina”. A denúncia foi aceita pela Justiça
Federal do Paraná. Vaccari pertence à mesma corrente do PT de Lula, José Dirceu
e Antonio Palocci, chamada “Construindo um Novo Brasil”. Ele é hoje a esfinge a
ser decifrada.