12
de abril de 2015 | N° 18130
ANTONIO
PRATA
As ideias fora do
lugar
“Si
hay gobierno, soy contra!”: eis aí uma máxima tão repetida quanto cretina. Na
democracia, ser contra todo governo, sempre, não é uma postura crítica, mas
infantil. É não perceber que num sistema representativo cabe a nós não só
eleger o governo como influenciá-lo, seja criticando-o ou mesmo o aplaudindo. A
frase, contudo, tem seu charme. Empresta a qualquer resmungo de oposição o silvo
de um morteiro republicano, na guerra civil espanhola. O cara pode ser um
empresário corrupto que sonega milhões em impostos, mas basta dizer “Si hay
gobierno, soy contra!” e fica se achando uma espécie de Hemingway redivivo,
recostado numa colina de la Mancha, lutando contra o fascismo estatal.
Uma
das consequências da chegada da esquerda ao poder (ou, pelo menos, da chegada
de um partido com um discurso de esquerda), em 2003, foi dar à direita este
selinho hype, de “Soy contra!”. De uma hora pra outra, o sujeito podia se
referir ao Lula como “Aquele retirante analfabeto!” e não estava sendo
demofóbico, estava fazendo uma crítica ao poder. Dizia “O melhor movimento
feminino é o movimento dos quadris” e não estava sendo machista, mas lutando
contra as feministas governistas que queriam castrar os machos livres da
pátria. Piadas racistas e homofóbicas deixaram de ser vistas como reforços aos
estereótipos de que o negro é inferior e de que o gay é errado ou doente, para
se tornarem armas da livre expressão contra a “ditadura do politicamente
correto”.
Aguentar
a velha hidrofobia reacionária andando por aí de sapatênis e pomada no cabelo,
se achando moderninha, seria um preço aceitável a se pagar, caso o PT tivesse
instituído a pauta pela qual foi eleito. Hoje, então, negros e brancos teriam
as mesmas chances no mercado de trabalho, estudando em nossas boas escolas
públicas. Gays andariam de mãos dadas, à noite, sem correrem o risco de serem
espancados.
Mulheres
poderiam recorrer a um aborto, caso todas as providências oferecidas pela
excelente frente de planejamento familiar em nossa invejável rede pública de
saúde houvessem falhado. O quatrocentão ressentido repetiria à toda hora que
“Esse aeroporto tá parecendo uma rodoviária!”, mas deixaríamos quieto, afinal,
ele haveria perdido seu camarote no topo da pirâmide social, num país que
deixara de ser um dos mais desiguais do mundo.
O
problema é que, com o PT no poder, tais melhoras não vieram. Embora a
concentração de renda tenha diminuído um pouco, os 5% mais ricos detém mais de
40% da renda total do país. Nas faculdades, apenas 11% dos alunos são negros.
Gays tomam lampadadas na orelha, na Paulista. A polícia mata em média 5 pessoas
por dia. As mulheres ganham cerca de 30% menos do que os homens e mais de 50
mil delas são estupradas, todo ano.
Assim,
chegamos a este cenário desolador: no poder, uma esquerda esquizofrênica,
incapaz de mexer em nossas feridas seculares, liberando, na oposição, as vozes
mais raivosas, preconceituosas e reativas às mudanças que essa esquerda sequer
promove.
Se
fosse um ato de repúdio à desigualdade e à injustiça que se perpetuam, eu iria
pra rua, hoje, acusar o governo. Mas pra andar atrás de um trio elétrico que
estampa a imagem de uma mão sem o mindinho, ao lado de famílias que fazem
selfies com a tropa de choque, licença: “Soy contra”.