29
de abril de 2015 | N° 18147
MARTHA MEDEIROS
Snack culture
Wagner
Brenner, do site Update or Die, postou um texto alarmante. O título: “Socorro,
não consigo mais ler livros”. Nele, o autor desabafa dizendo que já foi um
leitor obstinado, porém, hoje, se o texto não embalar de uma vez, só com muito
esforço ele conseguirá continuar a leitura. A extensão tornou-se um problema.
Seu hábito agora é de ler apenas cacos, fragmentos, aperitivos, o que se chama
snack culture, informação instantânea em drágeas. Ele admite que perdeu a
capacidade de se concentrar.
Caso
isolado? É só ver os comentários deixados sobre seu post: estão lá uma
infinidade de “comigo acontece o mesmo”, “igual a mim”, “também não leio mais”
etc. Algumas pessoas inclusive confessaram ter tido dificuldade de ler o
próprio desabafo de Wagner, que foi longo.
Mal
iniciaram o primeiro parágrafo e já pularam para as linhas finais. Ninguém mais
tem tempo a desperdiçar. Quando pegam um livro, os leitores já começam a
esbravejar com o autor: “Vai, anda, já entendi, para de enrolar”. Veja só,
literatura virou sinônimo de enrolação. Qualquer coisa que não diga logo a que
veio é porque está embromando. A revolução tecnológica exterminou a paciência.
O
tempo em que nos dedicamos ao trabalho, somado ao tempo que passamos nas redes
sociais, reduziu o ritmo de nossas leituras. É fato. Aconteceu comigo também.
Cheguei a me preocupar, mas tirei 13 dias de férias em fevereiro e, mesmo me
mantendo conectada, li quatro livros no período, dois deles com mais de 300
páginas. Ficou claro que ainda estou apta a me envolver. Porém, de lá para cá,
minha média vem sofrendo uma queda indesejada. Quatro livros em 13 dias, só
saindo de circulação de novo.
Falta
de tempo se resolve com administração, portanto, vou tratar de me reorganizar.
Mas a incapacidade de se deixar seduzir por algo que não cumpre uma promessa
imediata pode afetar negativamente não só a leitura, mas diversas outras áreas
do cotidiano.
Daqui
a pouco, ninguém mais conseguirá prestar atenção na história que um amigo está
contando, ninguém mais entrará no jogo das conquistas amorosas, ninguém mais se
dedicará a preparar uma refeição, ninguém mais escutará uma palestra, curtirá
um recital, dará uma caminhada de olho na paisagem. A menos que tenha um
smartphone na mão, para ganhar tempo. Tempo para o que, não me pergunte.
Não
sei se é o fim do mundo. O fim do mundo já se anunciou diversas vezes e ainda
estamos aqui, então tudo indica que sobreviveremos. Ao menos nossa própria
existência está cada vez mais longeva, na contramão das reduções. Se antes
morríamos aos 60, aos 70, agora podemos chegar aos 100. O que temos feito com
esse acréscimo de vida? Nada de mais. Só de menos.