quarta-feira, 22 de abril de 2015


22 de abril de 2015 | N° 18140
DAVID COIMBRA

Eu sou bom, eu sou bom, eu sou bom, eu sou bom, eu sou bom

Napoleão dizia que a única figura de retórica é a repetição. E é. Diga a coisa mais certa de todas as coisas uma única vez, e serão palavras ao vento. Diga a coisa mais errada de todas as coisas várias vezes, e é como se você tivesse aberto um caminho sob o sol.

É o princípio da propaganda. Você fala que algo é bom e fala de novo e não cessa de falar, e as pessoas começam mais a sentir do que pensar:

– Se ele está repetindo tanto isso, deve ser verdade.

Nesse momento, elas classificam mentalmente aquilo como “bom” e, a partir daí, é difícil remover o rótulo. O corpo e a cabeça dos seres humanos lutam todos os dias pela rotina, pelo deleite da inércia. Se o ser humano está em movimento, há de ser MRU, Movimento Retilíneo Uniforme. Porque toda mudança é violenta, toda mudança causa dor, mesmo que seja para melhor.

Há 500 anos, viveu um gênio que desvendou esse mistério do funcionamento do cérebro. Era o jesuíta Matteo Ricci, provável antepassado de um dos mais cerebrais meias do Grêmio, Tadeu Ricci, craque esquecido do futebol brasileiro. Pois Matteo, não Tadeu, desenvolveu um método para combater, justamente, o esquecimento. Chamava-se Palácio da Memória. Matteo ensinava as pessoas a construírem um palácio imaginário, a fim de colocar em cada salão, em cada armário, em cada gaveta, uma informação. Quando elas precisavam da informação, era só buscá-la no local em que a haviam guardado.

Genial. Porque o cérebro faz exatamente isso: classifica, compartimenta e arquiva informações. Depois que a informação está arquivada, a tendência é que permaneça como está, porque dá muito trabalho fazer todo o processo de novo.

Vou tomar como exemplo reações a algo que escrevi outro dia. Não, não estou respondendo às críticas. Se fizesse isso, passaria todo o tempo escrevendo sobre o que escreveram sobre o que escrevi. É apenas um bom e recente exemplo. Escrevi que Mandela, antes de ser sábio, foi imbecil. E foi. Era um terrorista, e o terrorista está sempre errado, não importa a sua causa, porque ele fere inocentes intencionalmente. Uma guerra pode ser justa; o terror, jamais.

Ora, as pessoas têm Mandela rotulado no cérebro como “bom”, o que, aliás, está no meu cérebro também. Fiel à máxima de Napoleão, vivo repetindo que Mandela é o maior gênio político da História. Mas, quando digo que ele, em algum momento, fez o mal, essa frase produz uma descarga no cérebro das pessoas: o quê? Tenho de repensar algo que já está classificado? Não mesmo! Mandela está na gaveta dos bons e não sairá de lá! Agora, você é que vai para a gaveta dos ruins!

É assim: a gaveta do bom, a gaveta do ruim, a gaveta do certo, a gaveta do errado. É algo que pode ser divertido. Quer ver?

Quem está em todas as gavetas do “ruim”? Hitler. É uma delícia usar Hitler como argumento. Você é vegetariano? Hitler também era. Você gosta de cachorro? Hitler também gostava. Se algumas pessoas amavam Hitler, talvez ele tivesse algo de positivo. Você é capaz de reconhecer essa verdade? Seu nazista!


Assim o impeachment – estou escrevendo tudo isso para chegar ao impeachment. Um presidente eleito pode sofrer impeachment no Brasil? Claro que sim. Já aconteceu. Mas o impeachment só pode ser cogitado se estiver comprovado que o presidente cometeu um crime. E não crime de responsabilidade fiscal, por favor! O atual governo não é ruim; é péssimo. Mas é legítimo. Ficar repetindo o grito de impeachment não vai lhe tirar a legitimidade. Pedir impeachment sem causa concreta e prova provada é uma coisinha que você pode arquivar naquela gaveta da sua cabeça em que está escrito: “Bobagem perigosa”.