12
de abril de 2015 | N° 18130
MARTHA MEDEIROS
ZZZZZZZZZ
O sono profundo talvez seja uma recompensa apenas aos
que se esgotam em viver bem
Durmo
bem, mas apenas seis horas por noite. Gostaria que fossem mais. Como você é bom
de matemática, já fez as contas: se adormeço às 23h, acordo às 5h. Se adormeço
às 23h30min, acordo às 5h30min. E o que faz uma pessoa que acorda às 5h30min?
Fica tentando dormir um pouco mais e às vezes até consegue uma cochilada extra,
mas o corpo e a mente já descansaram o suficiente e querem sair logo da cama
para mostrar serviço. Acordar cedo é um hábito saudável, reconheço, mas
inclusive nos fins de semana e feriados?
Deixei
de reclamar depois que li Sono, do celebrado escritor japonês Haruki Murakami,
que entre outros livros escreveu Do que eu falo quando eu falo de corrida. Com
sua prosa seca e objetiva, agora ele conta a história de uma mulher que, de uma
hora para outra, deixa de dormir. E não sente falta. Está há 17 dias sem pregar
o olho e tinindo.
De
certa forma, um terceiro turno acordado é tudo o que sonhamos, já que tempo
virou artigo de luxo. Não seria uma bênção ter oito horas a mais no dia, todos
os dias? Imagine. Oito horas sem tráfego, sem barulho, sem compromissos – e sem
fadiga. Oito horas a mais para desenvolver um hobby, para pedalar por ruas
vazias, para o sexo, para organizar gavetas, para testar receitas, para ouvir
música, para olhar para o teto, oito horas para o que bem entender. Menos
dormir.
É
possível que, se tivéssemos essas hipotéticas horas suplementares, as
gastaríamos nas redes sociais, bisbilhotando o Facebook dos outros, dialogando
com outros insones, compartilhando vídeos, fotos e textos que falam por nós. Ou
seja, daríamos continuidade ao isolamento a que nos autoimpomos desde que nos
viciamos no contato online.
Mas
a fictícia personagem de Sono não cai nesta. Usa suas horas noturnas para reler
romances que já havia lido anteriormente, mas que não havia prestado atenção.
Agora, no silêncio de sua nova condição de zumbi e a fim de se reconectar
consigo mesma, ela percebe nuances que nunca havia percebido nas histórias – e,
junto, descobre o real sentido da palavra concentração.
Chegaremos
a esse ponto de precisar de um terceiro turno insone para nos mantermos
despertos para o que verdadeiramente importa? Francamente: não dormir é um
pesadelo. Precisamos dormir. O corpo precisa. A mente precisa. Por que será que
16 horas alertas não têm nos bastado?
O
livro é de uma simplicidade perturbadora. Termina de forma enigmática e deixa
reflexões no ar. De minha parte, fiquei com a sensação de que as pessoas não
estão descansando à noite porque não estão se cansando de dia com coisas que
valham a pena – apenas cumprem tarefas enfadonhas e à noite se culpam pela
maneira como estão desperdiçando seu tempo. O sono profundo talvez seja uma
recompensa apenas aos que se esgotam em viver bem.