sábado, 11 de abril de 2015


12 de abril de 2015 | N° 18130
FABRÍCIO CARPINEJAR

Caixão pequeno

Ele me confidenciou um segredo dentro do bar 512, na Cidade Baixa, que sua ex nunca soube.

Antes das férias, a então namorada comentou que passou diante da vitrine de uma joalheria e quase escolheu alianças para renovar os votos da convivência. Ele transformou o quase em certeza. Só que estava magoado com ela, porque descobriu que sua companhia mentira durante muito tempo, logo ela que dizia não admitir deslealdade olhando nos olhos, logo ela que argumentava que mentir era pior do que agredir fisicamente.

Na véspera da viagem, ele comprou um anel de noivado vintage, de ouro branco 18k, cravejado de pedras. Experimentou no seu menor dedo, o que tinha exatamente o tamanho do dedo dela. Pois temos, entre os nossos dedos, o dedo de nossa mulher.

Demonstrava confiança que, no descanso alegre e romântico, seu par seria arrebatado pela sinceridade e corrigiria seus erros. Sem nenhuma pergunta. Sem nenhuma pressão.

Acreditava que era uma fase ruim, acreditava que ela poderia mudar, que poderia nascer de novo na paixão (a paixão é o renascimento constante do amor).

Ele carregou a caixinha preta aveludada em sua mala, escondida no forro interno. Esperava a chance de oferecer a joia e consagrar a sinceridade.

Quando ela ensaiava declarações, quando puxava o fio da memória, ele tentava criar um jeito de pegar o anel e disfarçar sua existência. Saía por um minuto e já voltava. Nunca foi tanto ao banheiro imaginário.

Carregou o anel no bolso da calça, do casaco, na sacola de praia, na capinha do celular, em todos os esconderijos, para que ela jamais descobrisse.

Sofro ao imaginar seu desgaste prestando atenção aos desdobramentos dos diálogos, soletrando a boca de sua mulher a cada frase, tentando se antecipar ao momento da confissão.

Quantas vezes ele buscou o presente, eufórico, e guardou de novo, abatido? Quantas noites ele não dormiu sonhando com a reparação? Quantas vezes ele acordou, esperançoso, e se despediu do mar, amargurado? Quantas vezes pescou a sereia da transformação e não obteve o brilho da verdade?

Ao longo do verão, ele rezava em silêncio. Simplesmente porque era otimista e a amava demais. Era otimista porque a amava demais.

Mas não aconteceu um final feliz e, pior, ela mentiu de novo. E jamais se retratou. E jamais pediu desculpa.

O anel ficou como uma pérola confinada na ostra e levada para longe pela maré do infortúnio.

Não era um porta-joias, e sim um caixão. Escuro como um caixão. Lacrado como um caixão.


Um caixão pequeno para o amor imenso daquele homem.