sábado, 18 de abril de 2015


19 de abril de 2015 | N° 18137
ARTIGOS - NELSON MATTOS*

A INTERNET NÃO ESQUECE

“Tecnologia... nos traz grandes presentes com uma mão e nos apunhala pelas costas com a outra.”

Charles Percy Snow

Os internautas brasileiros já gastam aproximadamente cinco horas por dia conectados à internet a maior parte desse tempo postando no Facebook, LinkedIn, Twitter, conversando no WhatsApp etc. Ao longo do caminho digital, deixam uma vasta quantidade de dados a seu respeito sem pensar nas possíveis consequências. É impressionante como a grande maioria das pessoas compartilha fatos superpessoais como se estivesse tendo uma conversa privada com amigos íntimos.

Facebook conseguiu fazer com que as pessoas falassem delas próprias de uma forma nunca vista anteriormente: orientação sexual, relacionamento atual, escolas frequentadas, árvore familiar, lista de amigos, endereços de e-mail, local de nascimento, histórico profissional, coisas prediletas, hobbies, religião, visão política, afiliações, compras, fotos etc. E esses dados não estão sendo postados somente por você. Seus amigos e sua família também estão constantemente vazando dados a seu respeito quando eles marcam você numa foto, registram o seu aniversário, compartilham a sua localização...

E mesmo que você delete suas contas em redes sociais, seus amigos e parentes vão garantir que o mundo continue sabendo a seu respeito, pois o continuarão marcando, mostrando sua localização, contando acontecimentos a seu respeito etc.

Infelizmente, as pessoas ignoram totalmente o fato de que dados raramente “desaparecem” da internet. Comportam-se como se não soubessem que a internet não “esquece” e que os dados acumulados ao longo do tempo podem ser usados contra elas em situações nunca previstas anteriormente. Por exemplo, um terço dos casos de divórcio nos Estados Unidos em 2011 tinha referências ao Facebook nos documentos submetidos à Corte.

Oitenta e um por cento dos advogados americanos de varas familiares admitem fazer buscas nas redes sociais à procura de evidências que possam ser usadas contra o cônjuge do seu cliente. Aquelas fotos inocentes tiradas nas festas com uma bebida na mão ou com os olhos vermelhos podem passar a ser evidências de que você não tem condições de ter a tutela dos filhos. O perfil que você criou num site de relacionamento indicando que era solteiro é um prato quente para os advogados da sua esposa em caso de divórcio.

Os dados pessoais que postamos podem nos afetar não somente num caso de divórcio, como também na procura de emprego. Uma pesquisa recente mostrou que 70% dos profissionais de recursos humanos já rejeitaram candidatos baseados em informações encontradas online. E as coisas vão piorar ainda mais, pois alguns empregadores já exigem o acesso às contas de candidatos para verificar seu passado e bons antecedentes.

Governos também usam as informações que deixamos para trás na internet. Nos Estados Unidos, 86% dos departamentos de polícia rotineiramente executam buscas em redes sociais como parte de suas investigações criminais. A Receita Federal faz o mesmo e também o Serviço de Imigração. Isso pode causar grandes problemas, como no caso dos turistas britânicos Leigh Van Bryan e Emily Bunting. Eles fizeram comentários em redes sociais que foram mal interpretados pelo serviço de imigração americano. Foram suspeitos de serem terroristas e, quando chegaram ao aeroporto de Los Ângeles, foram presos, interrogados e revistados por agentes federais e, depois de uma noite na prisão junto com criminosos comuns, foram deportados de volta ao Reino Unido.

Além de se expor e permitir que informações a seu respeito sejam usadas no futuro de formas que você nunca tinha pensado, você está também permitindo que empresas faturem à sua custa. Existe uma quantidade de empresas que vivem de vender informações sobre pessoas a empresas de varejo, cartões de crédito, bancos, financiadoras, seguradoras, empresas de marketing, e até mesmo agências governamentais. Diariamente você entrega de graça no Facebook, Twitter etc. uma quantidade fantástica de informações a seu respeito, que é catalogada, geocodificada e agregada ao seu perfil mantido por tais empresas.

Uma dessas empresas, Acxiom, possui informações sobre 96% dos lares americanos e 700 milhões de perfis de pessoas do mundo todo. Tais perfis chegam a ter 1,5 mil atributos diferentes, incluindo raça, sexo, número de telefone, endereço, tipo de carro, tipo de residência, locais onde passa as férias, compras recentes, problemas de saúde, parentes, cônjuges, amantes etc. De onde será que veio toda essa informação? Quanto mais você posta, mais essas empresas sabem a seu respeito!

E não pense que somente as postagens explícitas nos criam problemas. A área de análise de dados já é tão sofisticada, que é fácil descobrir novos dados pessoais que você não divulgou na internet. Um estudo feito pelo Massachusetts Institute of Tecnology mostra que uma análise da rede social de qualquer pessoa determina com 78% de precisão se a pessoa é homo ou heterosexual.

Imagine o que isso pode causar nos 76 países do mundo onde o homossexualismo é ilegal, incluindo países onde o homossexualismo é punido com a morte. E a coisa vai muito além de determinar a orientação sexual das pessoas. A Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos mostrou que a análise da rede social de uma pessoa e dos seus “likes” permite que se determinem detalhes muito pessoais e características da personalidade com uma precisão impressionante, e.g., se a pessoa tem um QI alto ou baixo, se é emocionalmente estável, se vem de uma família com problemas etc.

E não pense que você consegue se esconder atrás de pseudônimos. Já existem empresas de tecnologia que conseguem identificar as pessoas e, com isso, determinar seus nomes basea- dos nos pseudônimos que eles usam em blogs, fóruns de chat, Twitter...

Não tem como se esconder nas redes sociais! As pessoas se expõem demais, sem pensar que toda informação colocada na internet pode ser usada contra elas de maneiras jamais imaginadas. A internet não esquece e, assim, o melhor mesmo é pensar duas vezes antes de postar qualquer coisa.


nelson.m.mattos@gmail.com