19
de abril de 2015 | N° 18137
ARTIGOS
- NELSON MATTOS*
A INTERNET NÃO
ESQUECE
“Tecnologia...
nos traz grandes presentes com uma mão e nos apunhala pelas costas com a
outra.”
Charles
Percy Snow
Os
internautas brasileiros já gastam aproximadamente cinco horas por dia conectados
à internet a maior parte desse tempo postando no Facebook, LinkedIn, Twitter,
conversando no WhatsApp etc. Ao longo do caminho digital, deixam uma vasta
quantidade de dados a seu respeito sem pensar nas possíveis consequências. É
impressionante como a grande maioria das pessoas compartilha fatos
superpessoais como se estivesse tendo uma conversa privada com amigos íntimos.
Facebook
conseguiu fazer com que as pessoas falassem delas próprias de uma forma nunca
vista anteriormente: orientação sexual, relacionamento atual, escolas
frequentadas, árvore familiar, lista de amigos, endereços de e-mail, local de
nascimento, histórico profissional, coisas prediletas, hobbies, religião, visão
política, afiliações, compras, fotos etc. E esses dados não estão sendo
postados somente por você. Seus amigos e sua família também estão
constantemente vazando dados a seu respeito quando eles marcam você numa foto,
registram o seu aniversário, compartilham a sua localização...
E
mesmo que você delete suas contas em redes sociais, seus amigos e parentes vão
garantir que o mundo continue sabendo a seu respeito, pois o continuarão
marcando, mostrando sua localização, contando acontecimentos a seu respeito
etc.
Infelizmente,
as pessoas ignoram totalmente o fato de que dados raramente “desaparecem” da
internet. Comportam-se como se não soubessem que a internet não “esquece” e que
os dados acumulados ao longo do tempo podem ser usados contra elas em situações
nunca previstas anteriormente. Por exemplo, um terço dos casos de divórcio nos
Estados Unidos em 2011 tinha referências ao Facebook nos documentos submetidos
à Corte.
Oitenta
e um por cento dos advogados americanos de varas familiares admitem fazer
buscas nas redes sociais à procura de evidências que possam ser usadas contra o
cônjuge do seu cliente. Aquelas fotos inocentes tiradas nas festas com uma
bebida na mão ou com os olhos vermelhos podem passar a ser evidências de que
você não tem condições de ter a tutela dos filhos. O perfil que você criou num
site de relacionamento indicando que era solteiro é um prato quente para os
advogados da sua esposa em caso de divórcio.
Os
dados pessoais que postamos podem nos afetar não somente num caso de divórcio,
como também na procura de emprego. Uma pesquisa recente mostrou que 70% dos
profissionais de recursos humanos já rejeitaram candidatos baseados em
informações encontradas online. E as coisas vão piorar ainda mais, pois alguns
empregadores já exigem o acesso às contas de candidatos para verificar seu
passado e bons antecedentes.
Governos
também usam as informações que deixamos para trás na internet. Nos Estados
Unidos, 86% dos departamentos de polícia rotineiramente executam buscas em
redes sociais como parte de suas investigações criminais. A Receita Federal faz
o mesmo e também o Serviço de Imigração. Isso pode causar grandes problemas,
como no caso dos turistas britânicos Leigh Van Bryan e Emily Bunting. Eles
fizeram comentários em redes sociais que foram mal interpretados pelo serviço
de imigração americano. Foram suspeitos de serem terroristas e, quando chegaram
ao aeroporto de Los Ângeles, foram presos, interrogados e revistados por
agentes federais e, depois de uma noite na prisão junto com criminosos comuns,
foram deportados de volta ao Reino Unido.
Além
de se expor e permitir que informações a seu respeito sejam usadas no futuro de
formas que você nunca tinha pensado, você está também permitindo que empresas
faturem à sua custa. Existe uma quantidade de empresas que vivem de vender
informações sobre pessoas a empresas de varejo, cartões de crédito, bancos,
financiadoras, seguradoras, empresas de marketing, e até mesmo agências
governamentais. Diariamente você entrega de graça no Facebook, Twitter etc. uma
quantidade fantástica de informações a seu respeito, que é catalogada,
geocodificada e agregada ao seu perfil mantido por tais empresas.
Uma
dessas empresas, Acxiom, possui informações sobre 96% dos lares americanos e
700 milhões de perfis de pessoas do mundo todo. Tais perfis chegam a ter 1,5
mil atributos diferentes, incluindo raça, sexo, número de telefone, endereço,
tipo de carro, tipo de residência, locais onde passa as férias, compras
recentes, problemas de saúde, parentes, cônjuges, amantes etc. De onde será que
veio toda essa informação? Quanto mais você posta, mais essas empresas sabem a
seu respeito!
E
não pense que somente as postagens explícitas nos criam problemas. A área de
análise de dados já é tão sofisticada, que é fácil descobrir novos dados
pessoais que você não divulgou na internet. Um estudo feito pelo Massachusetts
Institute of Tecnology mostra que uma análise da rede social de qualquer pessoa
determina com 78% de precisão se a pessoa é homo ou heterosexual.
Imagine
o que isso pode causar nos 76 países do mundo onde o homossexualismo é ilegal,
incluindo países onde o homossexualismo é punido com a morte. E a coisa vai
muito além de determinar a orientação sexual das pessoas. A Academia Nacional
de Ciências dos Estados Unidos mostrou que a análise da rede social de uma
pessoa e dos seus “likes” permite que se determinem detalhes muito pessoais e
características da personalidade com uma precisão impressionante, e.g., se a
pessoa tem um QI alto ou baixo, se é emocionalmente estável, se vem de uma
família com problemas etc.
E
não pense que você consegue se esconder atrás de pseudônimos. Já existem
empresas de tecnologia que conseguem identificar as pessoas e, com isso,
determinar seus nomes basea- dos nos pseudônimos que eles usam em blogs, fóruns
de chat, Twitter...
Não
tem como se esconder nas redes sociais! As pessoas se expõem demais, sem pensar
que toda informação colocada na internet pode ser usada contra elas de maneiras
jamais imaginadas. A internet não esquece e, assim, o melhor mesmo é pensar
duas vezes antes de postar qualquer coisa.
nelson.m.mattos@gmail.com