21
de abril de 2015 | N° 18139
CARPINEJAR
O Fabrício
morreu
Vou
contar um segredo: Carpinejar era meu amigo imaginário na infância. Sempre que
sofria deboche na escola, chamava um menino fictício de óculos grandes e
destemido para resolver o conflito. Carpinejar era o meu contrário. Era o meu
justiceiro. Era o meu confidente.
Se
arcava com a gagueira, a timidez claustrofóbica e a vergonha da aparência,
vinha o Carpinejar me defender falando alto, comprando briga com os meus
agressores, desarmando preconceitos com sua risada poderosa.
Se
chorava no fim das aulas, vinha o Carpinejar me consolar, secar as lágrimas e
exigir que deixasse de ser maricas.
Se
não me aproximava de nenhuma menina com receio de ser escorraçado, vinha o
Carpinejar, com seu espírito galhofeiro, seduzir e namorar as mais bonitas do
bairro.
Carpinejar
cresceu comigo e se transformou num autor de sucesso. Ele é quem realiza as
palestras, escreve no jornal, surge polemizando na televisão, dá dicas de
relacionamento.
O
Fabrício continuava sendo o guri indefeso, inseguro, sensível, caseiro,
discreto, dentro do Carpinejar. Aparecia com parcimônia, apenas com longa
intimidade, para aqueles que ele julgasse realmente merecerem.
Enquanto
Fabrício se emocionava à toa, com seu olhar de pintassilgo no muro, cheio de
dúvidas de si, à espera da confiança e lealdade irrestritas de alguém para sair
do seu esconderijo de medo, Carpinejar abria espaço com sua confiança e
certezas absolutas de gavião, sedutor afiado com as palavras.
Um
protegia o outro. Até a semana passada. O Fabrício morreu por grave amor. Não
sobreviveu aos ferimentos invisíveis de sua dor. Definhou de tristeza ouvindo
Vitor Ramil. Entregou tudo o que podia e não podia a uma mulher que não soube
cuidá-lo, muito menos proteger sua fragilidade como deveriam fazer os
verdadeiros amores.
Não
houve obituário. Não chamou atenção de ninguém. Nenhum familiar ou amigo notou
seu desaparecimento – porque Carpinejar assumiu definitivamente o lugar da
personalidade.
Não
é de se estranhar a confusão. São idênticos, gêmeos nascidos da angústia de
viver e de se doar.
Fabrício
teve a coragem de amar além do seu fôlego, soldadinho de chumbo que se sacrificou
no fogo para salvar sua bailarina.
Hoje
ele está enterrado no fundo do rosto de capela do Carpinejar. Bem ao fundo. Uma
estrela morta que prosseguirá ainda por muito tempo com seu fulgor, como se
estivesse viva para quem vê de longe.
Parabéns
aos leitores deste blog residentes em Brasilia por mais um aniversário da
Capital Federal