14
de abril de 2015 | N° 18132
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Em algum lugar do
passado
Você
não vai acreditar. É a primeira vez que estamos nos vendo e não é a primeira
vez. Eu, na verdade, voltei para este 23 de agosto de 2013. São 20h20min,
instantes anteriores ao nosso beijo. Parece loucura, mas daqui a 15 minutos
você perguntará se ficarei contigo, de um jeito direto e abusado, e
responderei, envergonhado diante de nosso pouco contato:
–
Acho que sim.
E
daí o chicote de sua língua não deixará por menos:
–
Acho não me serve!
Com
o desafio, não me restará opção, prenderei seus braços na parede e beijarei
você longamente.
Queria
dizer que vim do futuro porque não consegui corrigir o nosso presente – e sinto
uma saudade imperdoável. Nossa vida está condenada ao ressentimento.
Não
confia em mim? Pois não escolheremos nenhum prato principal na risoteria.
Iremos do couvert direto à sobremesa.
Ainda
não acredita? Sairá para fumar, aliviada que também fumo, sempre desejou um
namorado fumante, estará chovendo e colocará o casaco na cabeça imitando um
elfo.
É
duro ser claro sem assustar: precisaremos de sinceridade acima de qualquer
gesto, não devemos esconder nada um do outro, conte-me tudo!, abandone laços de
seu passado, desapegue do que viveu.
Não
tem sentido o que venho falando, né? Como posso adverti-la daquilo que nos
afastou e não estragar a noite em que começamos a nos conhecer?
Neste
momento, imagina que sua principal confissão a fazer é que se veste como hippie
e que espero uma mulher produzida. Se o medo fosse sempre assim, doce e
ingênuo, estaríamos salvos. Você vai errar comigo e não se movimentará para
consertar, envergonhada e imobilizada pelo orgulho ferido. E perderemos o
contato. Perderemos antes uma gravidez, perderemos antes nossa espontaneidade,
perderemos antes nossa vontade de morar em uma casa na Zona Sul, perderemos
antes nosso sonho de véu e grinalda na Igreja da Matriz, perderemos antes o
apoio das famílias e dos amigos.
E
nos perderemos para sempre. Iremos nos separar em 2015, depois de um ano e sete
meses. Hoje vamos transar, será inesquecível, seu corpo foi feito para se
encaixar no meu, adoramos a mistura de nossos perfumes, estaremos leves,
alegres, maravilhados. Nos próximos dias, não vamos desgrudar, trará lentamente
sacolas de roupa para o apartamento, até vir com as malas, até aceitar o meu
pedido de casamento com o olhar encolhido de felicidade, mergulhada numa
braçada de rosas colombianas.
Mas,
amor, só posso pedir agora para nunca se separar de mim. Em hipótese alguma.
Meu tempo está acabando e já beijarei seus lábios tremendo de ternura.
Vejo
que não entende a gravidade do meu apelo. Pensa que é apenas uma declaração
romântica. Esquecerá no meio de tanta coisa boa desta madrugada e nunca mais
terei chance para avisá-la do quanto é um crime para a eternidade não estarmos
juntos.