segunda-feira, 13 de abril de 2015


13 de abril de 2015 | N° 18131
GENTE ADEUS A PAULO BROSSARD

O ORADOR SILENCIOU

EX-SENADOR que apoiou o golpe militar e depois se notabilizou pela defesa da democracia morreu ontem, aos 90 anos, em Porto Alegre, onde começou sua carreira política identificada com o PMDB e marcada por frases de efeito

Houve um tempo em que o Congresso Nacional parava para ouvir. “Brossard vai falar” era a senha nos corredores para o momento de ouvir o que o senador Paulo Brossard de Souza Pinto tinha a dizer, no púlpito, sobre o país. Essa voz se calou definitivamente ontem, aos 90 anos. Ao longo de sua vida, Brossard atuou em diversas frentes, como jurista, político e advogado. Também escreveu, por mais de 30 anos, artigo semanal em Zero Hora. Era uma contribuição ao jornalismo que retomava o início da sua atividade profissional, ainda nos anos 1940, quando foi correspondente do jornal paulista O Estado de S. Paulo em Porto Alegre.

De todas as suas encarnações, talvez a mais impactante, que conferiu a Brossard uma aura de reserva moral, tenha sido a de baluarte da oposição durante o regime militar. Curiosamente, ele próprio revelou, em entrevista a Zero Hora, que inicialmente nutriu simpatias pelo golpe de 1964.

– Para mim, aquele havia sido um gesto de legítima defesa de uma sociedade ameaçada por um governo que tinha perdido a noção de governar em uma série de desatinos – disse.

Brossard desiludiu-se com os militares que derrubaram João Goulart apenas em outubro de 1965, com o Ato Institucional número 2, que estabeleceu eleição indireta para a Presidência, extinguiu o pluripartidarismo e facilitou a cassação de opositores. Um de seus grandes momentos veio em 1974, como candidato do MDB a uma vaga de senador pelo Rio Grande do Sul. Brossard enfrentou Nestor Jost, nome da ditadura. O confronto dos dois em um debate promovido pela TV Gaúcha (hoje RBS TV) marcou época. Atribuiu-se ao desempenho de Brossard no embate, Código Penal em punho, a vitória esmagadora nas urnas, uma humilhação para o regime. Dois anos depois, para não mais correr o mesmo risco, o governo restringiu a campanha eleitoral na TV à apresentação da legenda, do currículo, do número de registro e da foto 3x4 do candidato.

CAMPANHAS SEM GASTAR UM NÍQUEL

Nascido em Bagé no dia 23 de outubro de 1924, Brossard foi quase tudo o que um político almeja: deputado estadual e federal pelo Rio Grande do Sul, secretário de Estado, senador, ministro da República e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Montou o primeiro escritório de advocacia no prédio onde hoje funciona o Santander Cultural, na Praça da Alfândega, em 1945. Logo entrou na política pelo Partido Libertador e se elegeu deputado estadual em 1954, em meio à convulsão provocada pela morte do ex-presidente Getúlio Vargas. Tantas vezes defensor do Direito, em alguns momentos teve comportamentos quase anedóticos. Em agosto de 1960, quando foi armado ao plenário da Assembleia para se defender de acusações feitas por Leonel Brizola em seus programas de rádio.

– A administração petebista no Rio Grande do Sul é a anarquia erigida em sistema – dizia.

Apesar da contundência e da atuação dentro do único partido de oposição, o MDB, mantinha canais de diálogo, o que em inúmeras oportunidades não foi compreendido. Chegou a ser criticado por dialogar com o recém- empossado presidente João Figueiredo, em 1979.

– Converso até com o diabo para tirar o país da desordem, do caos institucional – reagiu, em entrevista ao Jornal do Brasil.

Concorreu à reeleição ao Senado em 1982 – em mais uma eleição sem gastar “um níquel”, como dizia –, mas perdeu para Carlos Chiarelli em razão de limitações eleitorais impostas pela ditadura. Fez mais votos, mas não levou o mandato. Saía da cena parlamentar quando a oposição conquistara vitórias importantes em alguns Estados. Despediu-se do Senado em dezembro de 1982: “Saio sem que o Brasil tenha se reconciliado com a lei e, contudo, entendo que não perdi oito anos da minha vida”.

Casado com dona Lúcia desde 1950, com quem teve três filhos – Magda Brossard Iolovitch, advogada, Rita Brossard de Souza Pinto, médica, e Francisco Brossard de Souza Pinto, engenheiro agrônomo –, o homem que morreu ontem era um dos últimos grandes personagens da política brasileira da segunda metade do século passado