30
de abril de 2015 | N° 18148
LUCIANO
ALABARSE
FANTASMA DE SI
MESMO
Quarenta
anos atrás, assisti a Viva o Cordão Encarnado, espetáculo com o qual duas
jovens atrizes, Elba Ramalho e Tânia Alves, lançavam-se também à carreira de
cantoras. O Teatro Brigitte Blair, um pulgueiro incrustado na Copacabana
carioca, tinha um ar decadente de dar dó. Na bilheteria às moscas, chegaram só
mais dois casais. Os homens vestiam roupais normais. As mulheres, porém,
estavam produzidas como se fossem a uma noite de gala no Carnegie Hall. O Rui
não aprovaria.
Prestei
atenção à conversa do quarteto. Gaúchos em férias, queriam ver teatro, coisa
que não faziam aqui porque “em Porto Alegre não havia bom teatro”. Elba e Tânia
fizeram o espetáculo como se não houvesse amanhã. O quarteto saiu se coçando e
falando mal da sala, eu fui cumprimentar as atrizes. Esse episódio me veio à
memória ao ouvir Do Meu Olhar pra Fora, excelente novo disco de Elba, de quem
continuo fã.
Vinte
anos depois, estreei Sei que Estou Errada, show que juntava Adriana
Calcanhotto, Annie Perec e Tânia Carvalho no Porto de Elis. Por causa da Tânia,
pessoas que nunca colocariam o pé naquele lugar iam lá e se encantavam. Uma
delas, em êxtase, me agradeceu por estar se sentindo “nos melhores porões de
Berlim”. Sim: o que dá pra rir dá pra chorar.
Cidade
boa é a que valoriza a si e aos seus. Mas nossos tigres de papel, com pose de
“cidadãos do mundo”, renegam sua aldeia e fazem questão de não acompanhar a
vida cultural local. Essa indiferença demonstra só um provincianismo
anacrônico, nada mais.
Como
um esquerdista que começa a guardar dinheiro na cueca, quem renega sua história
e nega seus erros, pessoais ou partidários, desconecta-se da realidade e vira
um fantasma de si mesmo. Os fantasmas locais existem, e, compulsivos como o pai
de Hamlet, adoram falar mal de Porto Alegre. Como diria o Billy Blanco: “Pra
que tanta pose, doutor, pra que esse orgulho?”.
Até
que alguém de fora descubra e elogie a prata da casa, haja paciência e
exorcismo. Caranguejos? Tô fora.