22
de abril de 2015 | N° 18140
MOISÉS
MENDES
Tinga e Magrão
Professores
de escolas públicas ou privadas, de ricos ou pobres, da velha ou da nova classe
média, de qualquer classe, fariam bem à educação se lessem para os alunos as
entrevistas com Tinga e Magrão que ZH publicou no domingo.
Os
dois estão muito acima da média pelo que jogam e pelo que pensam. Tinga vai se
aposentar e foi entrevistado pelo Luiz Zini Pires. Magrão continua jogando,
para superar o trauma de um câncer, e conversou com Diogo Olivier.
Eu,
se fosse professor, diria para crianças, adolescentes e adultos: vocês já
aprenderam sobre dominação, discriminação, racismo, esnobismo e prepotência com
Joaquim Nabuco. Hoje, aprenderão com o Tinga e o Magrão.
Tinga
sofreu ataques racistas quase no fim da carreira. Disse numa entrevista, logo
depois do jogo em que foi ofendido, no Peru, que trocaria todos os seus títulos
por um mundo de mais igualdade e respeito. Nabuco o aplaudiria de pé. Na
entrevista ao Zini, o jogador fala do episódio e da relação com o pai ausente e
a mãe poderosa e generosa.
Magrão
era favelado em São Paulo. O futebol permitiu que concluísse o Ensino Médio em
escola particular. Contou ao Diogo que “morria de medo” que os quatro filhos
fossem metidos a playboyzinhos, porque se lembra da esnobação dos bacanas do
colégio.
Os
dois exaltam suas origens e retornam às raízes – a Restinga que deu o apelido
ao jogador gaúcho e a Heliópolis paulistana de Magrão. Em tempos de racismo
explicitado e de um certo desconforto com a ascensão social das periferias,
esses dois deveriam ser bem estudados.
Nabuco
dizia que a vingança da escravidão foi a africanização da população brasileira,
foi “saturá-la de sangue preto”. Achavam que o Brasil não daria certo porque
antes fora presenteado com o que os portugueses tinham de pior, os criminosos,
os aventureiros e as mulheres erradas.
Estamos
agora diante da lição de negros, índios, de imigrantes que vieram depois e da
multiplicação de pobres (pretos ou brancos), a maioria submetida a séculos de
exploração. Ex-favelados, e não só jogadores, nos ensinam o que os bacanas do
colégio de Magrão talvez não gostassem de aprender.
A
ascensão social da periferia não depende mais só do esforço quase milagroso ou
da arte redentora do futebol e da música. São, queiram ou não, os novos tempos.
Que bela vingança.