13
de abril de 2015 | N° 18131
L.F.
VERISSIMO
Craca
Um
crítico chamado John McCourt, escrevendo sobre James Joyce, fez um achado inédito.
Joyce viveu durante algum tempo em Trieste, onde dava aulas na Berlitz e onde
escreveu o Retrato do Artista quando Jovem e começou a escrever Ulysses. McCourt
descobriu que muito da linguagem ancestral enigmática que Joyce usaria depois
em Finnegans Wake vem do triestino, o dialeto local que a família falava em
casa. A revelação do crítico se soma a tudo que já foi publicado sobre Joyce,
certamente o autor mais explicado de todos os tempos.
Interpretações
de Ulysses e de Finnegans Wake por gente como Stuart Gilbert e Anthony Burgess
se tornaram clássicas, sem falar em livros sobre o autor, como a famosa
biografia definitiva de Richard Ellmann. McCourt dá mais importância do que
Ellmann e os outros estudiosos à influência no trabalho de Joyce de Trieste,
que descreve como uma espécie de Dublin levantina, com o mesmo vento do mar e o
mesmo grande número de bares, mas uma população mais cosmopolita.
Certas
obras literárias são como velhos navios: críticas, análises, exegeses etc. grudam
no seu casco como craca, o navio e a craca passam a ser uma coisa só. Com o
tempo, a craca quase dispensa o navio. Ler Joyce com uma explicação do lado é tão
indispensável quanto ler Shakespeare com um glossário de inglês elizabetano, a
não ser que você prefira não entender a metade mas ser levado e enlevado, sem
interrupções, pela linguagem.
Quando
publicava as suas peças, George Bernard Shaw escrevia introduções maiores do
que as peças e, em alguns casos, como o do prefácio para Santa Joana, melhores.
Uma vez, tive a ideia de escrever um livro sobre outro livro sobre outro livro,
este inexistente, e escrevê-lo todo na forma de longas notas de pé de página. Mas,
claro, coisa parecida já foi feita: Fogo Pálido, do Nabokov é apenas um pequeno
poema, acompanhado de uma longa interpretação. Longa – e errada. Tudo já foi
feito.
Nada
a ver, mas me lembrei que o sobrenome da mulher de Joyce, Nora, era Barnacle, “craca”
em inglês. Joyce contava que seu pai o alertara de que o nome era uma premonição:
Nora Barnacle nunca largaria dele. E, fora algumas separações temporárias,
nunca largou mesmo. Joyce estava destinado a ser um objeto de devoções, e é até
hoje.