sábado, 17 de dezembro de 2022


17 de Dezembro de 2022
CARPINEJAR

A tirania da felicidade

Uma relação só é feliz se você tem o direito de ficar triste de vez em quando. Se você não precisa chorar no chuveiro para abafar as suas lágrimas e sufocar o barulho do seu sofrimento. Se você não acha que está incomodando quando não está em seus melhores dias. Se você desfruta de espaço para acomodar as suas incertezas recônditas.

Se você tem condições de não querer rir, de não querer brincar, de não querer sair, de não querer passear e interagir, de querer ficar quieto, cuidando dos aborrecimentos em seus cantinhos preferidos dentro do lar.

Não é humanamente possível, pela instabilidade de nossas emoções, estampar permanentemente um sorriso na cara. As rugas vêm muito mais dos sorrisos forçados. Temos que nos precaver da tirania da felicidade. Por que as pessoas nos desejam ver sempre felizes?

Talvez exista uma intenção pouco generosa por trás do incentivo, da imposição do contentamento. Talvez não seja pela sua realização pessoal, ou por não suportar o seu desânimo nem sua desmotivação. Talvez sequer seja pelo medo de uma possível depressão.

É puro interesse em se aproveitar de você. Se você está triste, não está disponível. Se você está aborrecido, não tem como ser explorado, não tem como realizar nada para ninguém, não tem como satisfazer as vontades alheias.

A tristeza é uma pausa para pensar, uma trégua de consciência, uma faxina mental, em que você joga fora o que não presta das conversas, dos sentimentos e dos encontros rememorados. Medita sobre seus excessos e fragilidades, feridas e dissabores. Recompõe a sua estrutura para voltar à batalha diária.

Assim como não há como conversar com quem está no meio da limpeza, não há como conversar com quem vive o monólogo interior da tristeza. Ela desencadeia, por sua vez, a ausência de conexão momentânea.

Você se encontra fora do radar para qualquer solicitação. Estar dentro da alma é como estar fora de casa. Não há como ser chamado. Não poderá cozinhar, fazer algum favor, socorrer um capricho, buscar algo na cozinha, oferecer uma solução para a manutenção da rotina.

Isso vai irritar quem o enxerga como um serviçal. Trata-se da revelação de que está num relacionamento equivocado, numa posição submissa, amando por dois, vivendo pelos dois, dando desculpas pelos dois.

Se você somente é valorizado quando beneficia a sua companhia e interrompe tudo o que é particular para atendê-la, é que anda sendo desmerecido por completo. A falta de felicidade incomoda, pois frustra os planos daquele que é preguiçoso ou egoísta, daquele que depende de você para qualquer tarefa doméstica.

Ele terá que se virar sozinho, terá que resolver os problemas sozinho, terá que conduzir os seus prazeres sozinho. Não admite que você não esteja bem porque simplesmente perderá as suas mordomias de comida quentinha, roupa lavada e casa em ordem.

Não poder ficar triste, ou perceber a escassez de paciência ao lado para as suas lamúrias pontuais, já é um veemente alerta vermelho.

CARPINEJAR

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