terça-feira, 20 de dezembro de 2022


20 DE DEZEMBRO DE 2022
CARLOS GERBASE

Parque: pra quê?

A discussão sobre os parques de Porto Alegre virou cabo de guerra. A prefeitura, alegando verbas insuficientes para fazer a manutenção, puxa para o lado das privatizações, prometendo mais segurança, menos vandalismo e limpeza adequada. A grande maioria dos usuários puxa para o outro lado, lembrando que parques são áreas públicas e devem continuar atendendo a população de forma democrática e universal. Segurança, limpeza e combate aos vândalos seriam atribuições básicas dos gestores da cidade. Com a corda já bastante esticada, discussões complementares aparecem: cercamento, estacionamento, horários para espetáculos, concessão de áreas para comércio, etc.

Proponho uma volta ao essencial: um parque deve cumprir sua função original, que é ser uma anti-cidade. O processo civilizatório, que tem na urbanização uma de suas bases, reúne muitas pessoas num território pequeno. Mesmo espremidas, caminhando sobre asfalto, convivendo com veículos e máquinas de todo tipo, respirando fumaça, ouvindo barulhos irritantes e comprando em supermercados alimentos processados, as pessoas adaptaram-se a um modo de viver que é perfeitamente lógico (embora triste) frente à ideia neoliberal de um progresso sem fim e sem limites, que explora a natureza como se não houvesse amanhã.

O que um parque deve oferecer? O que alguém que caminha num parque gosta de encontrar? O contrário disso tudo: árvores, flores, grama, formigas, ar puro, canto de passarinhos (ou silêncio) e tartarugas pegando sol. Enfim: tudo que a cidade destrói, porque sua lógica é outra. Não é preciso ser radical. A civilização pode aparecer de vez em quando: uma que outra obra de arte, um pipoqueiro, uma fonte (que funcione), um músico (sem amplificador). Porém, é preciso impor limites, porque é o lugar da anti-cidade, um cenário que deve lembrar o tempo em que havia menos pessoas no planeta, espalhadas em vastas extensões naturais.

As regiões primitivas de nossos cérebros precisam dessa experiência nostálgica para continuar funcionando. Os cidadãos mais ricos levam seus cérebros para passear e relaxar em sítios suburbanos cheios de árvores e formigas. Os menos ricos vão para a Redenção e para o Marinha fazer um piquenique na sombra de um eucalipto. Seus cérebros aproveitam da mesma maneira. Tudo que é colocado no interior de um parque que ameace essa função primordial é perigoso. Fica a pergunta: empresas privadas, que visam o lucro, conseguem manter um parque sem descaracterizá-lo com um excesso de civilização? Eu duvido.

CARLOS GERBASE

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