06 de maio de 2015 | N°
18154
MARTA MEDEIROS
Um novo olhar sobre as palavras
Isso é bom, isso é ruim, isso é
certo, isso é errado, isso é assim e não assado. Costumamos catalogar e
etiquetar tudo, inclusive palavras e expressões. No entanto, algumas foram
condenadas a ter um sentido negativo quando poderiam ser avaliadas por outro
prisma – caso de “válvula de escape”, por exemplo. Bastou dizer que fulano está
recorrendo a uma válvula de escape para que pensemos que a criatura não é de
confiança, que é alguém que não enfrenta a realidade. Puro pensamento
condicionado. Ora, qual o problema de se ter uma válvula de escape?
Uma viagem solitária, um amor
escondido, um vício secreto, um pseudônimo, manias ocultas: ninguém precisa ser
tão corretinho e tão transparente o tempo todo. Dar uma fugida para um mundo
particular, só seu, não consta da lista de pecados mortais – supondo que você
ainda acredite em pecados.
Frivolidade. Outra palavra para a
qual os narizes se torcem. A ordem é ser sério e profundo para garantir o
respeito alheio. Concordo, mas sem fanatismo. Sou séria, profunda, respeitável
e também leve, superficial, brincalhona, tudo isso atendendo pelo mesmo nome e
sobrenome. Virar refém da aura de intelectual que minha profissão impõe? Nunca
pensei. Escritores também têm o direito de ser divertir, assim como juízes e
padres. Frívolo, mesmo, é aquele que engessa a própria vida.
Escândalo. Precisa mesmo ser uma
palavra que apavore os cidadãos de bom comportamento? É razoável que não
queiramos mais escândalos na política, mas um decote escandaloso, um beijo
escandaloso, uma performance escandalosa podem provocar sorrisos, desejos,
ideias e uma empolgação a que estamos cada vez menos acostumados. É importante
sermos provocados. O escândalo nos salva da anestesia geral e da apatia que a
constante repetição dos dias provoca.
Desespero é outro exemplo. A
tendência universal é manter os nervos controlados. O mundo está sob efeito de
ansiolíticos. O faniquito já não é considerado uma reação espontânea, e sim um
delito. Entendo, também não dou audiência para chiliques, mas a palavra
desespero é de outra categoria e merece toda minha atenção.
Um poema desesperado, uma súplica
desesperada, uma expressão desesperada de algum sentimento: como não se
comover? Pollock pintava com desespero, Janis Joplin cantava com desespero, ou
assim parecia. Não se pode negligenciar aquilo que acorda a humanidade de sua
sobriedade bocejante. Banir o desespero é banir a paixão.
Palavras têm vida e não se deve
temê-las. Mesmo as que carregam uma herança maldita podem ser revestidas por
uma visão mais humorada e criativa em relação ao seu uso. Andrógino, ácido,
infernal, rebelde, subversivo, titânico, incendiário: onde foram parar os
adjetivos que tornavam a vida mais excitante?