07 de maio de 2015 | N° 18155
L. F. VERISSIMO
Dois destinos
Você nasceu num vilarejo da África Equatorial. Não importa o
seu nome, você é uma entre milhares. Além das outras desgraças que a esperavam,
você nasceu mulher. Sobreviver ao parto já foi uma vitória sobre as
estatísticas. Chegar viva à sua idade sem sofrer qualquer tipo de mutilação foi
um milagre. Sua mãe morreu de uma epidemia, você mal a conheceu. Seu pai você
nunca soube quem foi. E seu destino está fixado nas estrelas.
Deve haver uma palavra na sua língua para “destino”. Talvez
seja a mesma palavra para “danação”. Sua biografia já foi decidida, antes de
você nascer. Quem a decidiu você também nunca soube quem foi.
Seu destino está fixado nas estrelas – mas as estrelas se
movem. Não estão fixadas no mesmo lugar todas as noites. E algumas fogem. Você
vê os riscos que deixam no céu as estrelas que fogem. E você decide fugir
também. Fugir do seu destino. Fugir da danação. É pouco provável que exista o
termo “livre-arbítrio” na sua língua. Você o descobre em você. Você inventa sua
própria liberdade.
E você foge da sua biografia. Com outros do seu vilarejo,
caminha para o Norte, para o Mediterrâneo. Não morre no caminho – outro
milagre! Não morre sufocada no barco abarrotado de fugitivos que atravessa o
Mediterrâneo. Não morre afogada antes de chegar ao seu outro destino, o destino
que você escolheu. E começa outra biografia.
Ou:
Você nasce numa cidade chamada Londres. Seu nome não só
importa como é sujeito de uma especulação nacional, até ser escolhido. Sua mãe
é linda, seu pai é rico e tem emprego garantido, sua foto provoca êxtases, você
já é uma celebridade internacional. Ah, e um detalhe: você é a quarta na linha
de sucessão ao trono da Inglaterra. Dependendo da disposição das estrelas, pode
acabar Rainha. Nada lhe faltará.
Mas, mesmo que queira, jamais poderá fugir da biografia que
prepararam para você. Danação.