segunda-feira, 19 de janeiro de 2015


19 de janeiro de 2015 | N° 18047
L. F. VERISSIMO

O apóstata

Alexander Cockburn e Christopher Hitchens se revezavam numa página do semanário The Nation. Os dois tinham sólidas credenciais esquerdistas (Cockburn se definia como o último stalinista vivo). Concordavam em quase tudo, principalmente nas suas criticas à América – embora tanto o escocês Cockburn quanto o inglês Hitchens vivessem e escrevessem nos Estados Unidos – mas quando discordavam se xingavam com gosto.

Os dois surpreenderam um ao outro, seus leitores e a revista com posições inesperadas: Hitchens apoiando a invasão americana do Iraque e Cockburn se revelando um antiambientalista, para o qual a tese do aquecimento global provocado pelo homem não passava de propaganda do lobby nuclear.

A discrepância entre a posição de Hitchens e a linha editorial da Nation na questão do Iraque não se sustentou por muito tempo. Hitchens acabou pedindo demissão – ou foi chutado, não sei. Já a apostasia de Cockburn foi tolerada e ele continuou escrevendo na revista até a sua morte, em 2012.

O interessante nessa história é que, na medida em que ninguém poderia acusar Cockburn de ter abraçado uma causa direitista ou ter se vendido às companhias de petróleo, sua resistência às evidências do aquecimento global é a mesma da direita e do “big oil”. Uma das consequências da vitória dos republicanos na recente eleição americana, que lhes deu a maioria no Congresso, é que leis antipoluição já existentes podem ser revogadas e novas leis dificilmente serão aprovadas.

Os republicanos veem no controle das emissões poluidoras uma ameaça aos negócios. Segundo eles, o aquecimento global ocorre em ciclos há bilhões de anos, desde que existe a Terra. Não tem nada a ver com a atividade humana. É só esperar o atual ciclo passar que tudo voltará ao normal, sem precisar sacrificar uma chaminé.

Com tudo que já está provado sobre os efeitos da poluição no clima e nas suas excentricidades, a tese do Cockburn parece cada vez mais uma excentricidade dele. A birra de alguém acostumado a ser do contra. E, com a revolução que está havendo no mundo com a queda do preço do petróleo, a questão se tornou, não acadêmica, mas impertinente.

A velha máxima segundo a qual o melhor negócio do mundo é uma companhia de petróleo bem administrada e o segundo melhor negócio do mundo é uma companhia de petróleo mal administrada (e alguém, pensando na Petrobras, poderia acrescentar que o terceiro melhor negócio do mundo é uma companhia de petróleo pessimamente administrada) perdeu o sentido.


Mas e se, apesar da má companhia, Cockburn tinha razão? A energia nuclear seria alternativa lógica para a civilização do carbono. Cockburn considerava os riscos da proliferação nuclear para a humanidade maior do que os de qualquer dano ambiental causado pela energia fóssil. E se o birrento estava certo?