sábado, 19 de outubro de 2019



19 DE OUTUBRO DE 2019
CRISE POLÍTICA

Uma direita em busca de rumo

Após ascensão meteórica ao poder, grupo de oposição ao PT se divide e escancara publicamente as divergências de bandeiras.

Um ano depois de vencer a disputa presidencial, a direita brasileira irrompeu em guerra. Enquanto Jair Bolsonaro se arma contra o PSL e apoiadores de primeira hora racharam com o presidente, seguidores e dissidentes do bolsonarismo se engalfinham na "twittosfera". Na última semana, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) admitiu que o campo político se encontra em momento de "debate".

- Estamos passando por uma fase de depuração, nos identificando. Só que, ao contrário da esquerda, que segura internamente qualquer desavença, a direita faz isso publicamente. Pode parecer um racha, e, por vezes, até é, mas acredito que, no final, se houvesse um segundo turno, todos da direita votariam contra o PT novamente - justificou o parlamentar.

Eduardo respondia a uma pergunta sobre a chance de vitória da esquerda em 2022 por conta dessa divisão na abertura da CPAC, sigla em inglês para Conferência da Ação Política Conservadora. Realizado no último final de semana em São Paulo, o encontro bolsonarista foi armado pela ala da direita que busca se organizar desde que chegou ao poder - ao menos outros quatro eventos semelhantes já ocorreram neste ano.

Para analistas políticos, a leitura do parlamentar está - em parte - acertada. Reunida no guarda- chuva anti-PT, a chamada nova direita chegou ao poder sem tempo de preparo suficiente, com pautas difusas e, em alguns momentos, dissonantes - em outros, sem agenda alguma. À desordem, ainda se acrescentam a dificuldade de articulação e o perfil pouco institucional do presidente, que contribuem para a ausência de liderança e o surgimento de crises.

- PSL e Bolsonaro se aproveitaram de um momento histórico favorável à direita, com um movimento basicamente antipetista, e conseguiram vencer a eleição. Mas muitas das dinâmicas internas, como organização e modo de governo, são problemáticas - avalia Glauco Peres, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP).

Líder dessa direita repaginada desde 2015, quando se destacou como articulador nacional dos protestos anti-PT, o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) aponta que "muita gente" se autointitulou direitista e foi eleita no tsunami antiesquerda. Mas o fundador do Movimento Brasil Livre (MBL), que costuma criticar a família presidencial, argumenta que uma parcela desse grupo defende ideias opostas ao que ele considera essencial ao campo político, como protecionismo e soberania nacional.

- Tem pessoas que se colocaram como antagonistas da esquerda, mas que, por princípio, não têm grandes convicções. Aí, é como se fosse um cachorro que só sabe correr atrás do carro. Quando o carro para, não sabe mais o que faz - ilustra Kataguiri.

Descoberta

Diferentemente do PT, que teve mais de duas décadas para se estruturar até alcançar o comando do país, a nova direita brotou das ruas, nas manifestações de junho de 2013, e atingiu o auge cinco anos depois, na figura de Bolsonaro.

- Há muita diversidade naquilo que se chama de direita. Num momento de tensão eleitoral, ocorre um fenômeno de aglutinação política e tudo fica mais simples. Depois, a vida segue o seu curso normal e surgem as divergências. Isso é acentuado pelo poder, que introduz elementos como a distribuição de prerrogativas e recursos e o acesso ao Estado. As disputas internas dentro do PSL, por exemplo, têm muito pouco de ideológico. São disputas pelo controle da máquina partidária - analisa o cientista político do Insper Fernando Schüler.

Hoje, gravitam à direita movimentos diversos: o liberal focado na economia, o conservador que dá ênfase aos costumes, o saudosista da ditadura militar, o lava-jatista e o bolsonarista "raiz", alinhado ao discurso agressivo do presidente e de seus filhos (ver quadro). Porém, de acordo com especialistas, nenhum desses campos está isolado. Vira e mexe, eles transitam entre si.

- Essa nova direita chegou ao poder muito rápido e, claramente, não discutiu o quanto queria ser institucional, democrata e liberal. Tem gente que achava que concordava com o colega e está descobrindo que, na realidade, discorda - pontua Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford.

DÉBORA ELY

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