segunda-feira, 13 de abril de 2020



13 DE ABRIL DE 2020
OPINIÃO DA RBS

PASSAPORTE PARA A IRRESPONSABILIDADE

A necessidade de enfrentar a pandemia do novo coronavírus no Brasil, com gastos emergenciais e ajuda a entes federados, não pode se transformar em salvo-conduto para a irresponsabilidade fiscal, agravando a crônica fragilidade das contas do país. Mas esse risco existe, em caso de aprovação do texto do plano de socorro aos Estados e municípios que surgiu como uma nova versão do chamado Plano Mansueto. Este também amparava governos locais em dificuldades, mas cobrava em contrapartida um ajuste com medidas como privatizações, redução de isenções e limites de gastos.

O que se discute neste momento, com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é uma bondade desmedida que pode custar entre R$ 150 bilhões e R$ 220 bilhões, conforme diferentes estimativas, com possibilidade de novos empréstimos com garantia do governo federal, adiamento do pagamento da dívida com a União, ampla postergação da quitação de precatórios e suspensão de limites de gastos com pessoal, ignorando os preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Muito acima de um auxílio emergencial para ajudar a recompor a perda de arrecadação com ICMS com a paralisação da economia.

O alerta para o custo desse passaporte para a irresponsabilidade partiu, na semana passada, dos economistas Marcos Lisboa e Marcos Mendes. Tacharam a iniciativa insuflada por alguns governadores, que se aproveitam da absoluta falta de articulação do Planalto no parlamento, de "a mãe de todas as bombas fiscais". A fatura dessa benevolência descabida retornará para toda a sociedade na forma da elevação da dívida pública e consequente neces- sidade de onerar ainda mais a sociedade com carga tributária.

Não se discute que os gastos públicos precisam ser elevados neste momento de urgência, mas é um erro abalar de vez os alicerces do ajuste fiscal iniciado nos últimos anos - necessário para corrigir um período de gastança inconsequente - e ameaçar derrubar o já fragilíssimo edifício das contas públicas. Canalizar esforços para a saúde e para os brasileiros mais vulneráveis não deve ser sinônimo de abrir mão da busca pelo equilíbrio no médio e longo prazos. Caso contrário, o artefato de efeito retardado tende a explodir exatamente no colo dos mais desvalidos, com piores serviços e a volta da inflação, mal que corroeu por décadas a renda dos brasileiros. É possível que a matéria seja votada hoje na Câmara. Espera-se que o Congresso não haja de forma desajuizada e não use o momento crítico para justificar uma farra que vai gerar custos pagos pelas próximas gerações, no pós- pandemia. Da mesma forma, devem ser rechaçadas outras propostas exóticas como imprimir dinheiro para bancar despesas emergenciais, uma alternativa que historicamente significa despertar e alimentar o dragão inflacionário.

Se os recursos são escassos, os Estados não podem ser liberados da tarefa de colocar a casa em ordem. É preciso sobretudo que governos e os demais poderes sejam chamados à racionalidade para cortar gastos injustificáveis, como benesses, altos salários e aposentadorias polpudas, aprofundadores da desigualdade social do Brasil e dreno de recursos que poderiam ser utilizados no combate ao coronavírus ou aplicados na saúde da população. Iniciativas nesse sentido foram feitas nas últimas semanas, mas ainda é grande a distância que separa o país real, às portas da recessão, daqueles que não se afligem por sua renda ou faturamento e pagam com folga contas e despesas do mês.

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