sexta-feira, 3 de abril de 2015


03 de abril de 2015 | N° 18121
MARCOS PIANGERS

Páscoa moderna

Estava empolgado com a caça aos ovos de chocolate neste ano, mas anunciaram lá em casa que não vai ter chocolate. Faremos uma caça aos ovos de quinoa. Ouvi dizer que é moda entre os pais mais modernos e nossas filhas poderão devorar esse belo regulador intestinal enquanto tomam um delicioso suco verde de couve. Será uma Páscoa divertida. Assistiremos aos desenhos da TVE, que, eu não sabia, são os únicos com linguagem aprovada e não infantilizam as crianças. Fiquei surpreso ao descobrir que infantilizar crianças é uma coisa ruim.

Não sei quem fez a lei, mas também está abolida qualquer história sobre o coelhinho da Páscoa. Não consigo mentir pras crianças. Ao me perguntarem “Quem trouxe os ovinhos, papai?”, direi solenemente que realizei a compra dos ingredientes pagos com cartão e com CPF na nota, e eu mesmo que trouxe em uma sacola reciclável.

Não será bem uma “caça” ao tesouro, porque o uso do termo pode incentivar violência contra animais. Nem podemos chamar de “tesouro” algo que não é tão valioso quanto a vida, a família. Será uma “busca aos ovos de quinoa”. Uma brincadeira divertidíssima que as crianças vão adorar.

Minhas Páscoas eram um horror. Tenho nove primos e todos nos reuníamos na sala enquanto os tios espalhavam chocolate pela casa do vô. Era tanto chocolate, que ficava impossível não achar os ovos, tinha sempre um papel brilhante escapando por alguma porta do armário. Cada primo devorava um ovo gigante e, dentro dos ovos de chocolate, naquela época, vinha ainda mais chocolate.

E eram coelhos enormes feitos de chocolate e bengalas de chocolate e barras de chocolate. E minha vó derretia algumas barras de chocolate para escrever nosso nome em cima de um bolo de chocolate com recheio de chocolate. Ficávamos sujos de chocolate na cara, nas mãos, na camiseta e o sofá da casa do vô ficava uma nojeira. Até a TV, que naquela época passava desenhos violentos, ficava toda marcada com impressões digitais marrons.


Aquilo foi há mais de 20 anos. O crime já prescreveu. Hoje sabemos que diabetes é coisa séria e que desenhos violentos deseducam. Meus avós não conheceram os benefícios do amaranto, da quinoa e da linhaça. Não sabem o que perderam.