segunda-feira, 24 de junho de 2013


24 de junho de 2013 | N° 17471
ARTIGOS

Existe governo?

Quando escrevi o artigo anterior, como de costume na sexta-feira, ainda não ocorrera a vaia olímpica à senhora presidente da República no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, e naquele momento ainda incorrera o desconsórcio entre a presidente e a popularidade, já com menos oito pontos, de 65% caíra a 57%, mas ainda com a maioria, porém um fato novo em gestação sob o governo insosso e paralítico que dormitava.

O fato é que, sob o falso pretexto do aumento de R$ 0,20 no preço das passagens urbanas, ou não, começou o movimento de proporções sísmicas e não cessou de crescer. O ministério, antes de acordar, entrou em delíquio; se existia em letargia deixou de existir.

A presidente andou de ceca a meca e, após ouvir os doutores da casa, fez o elogio da rebelião. Depois, suspendeu uma viagem ao Japão e, sem reunir o seu ministério composto de 39 sumidades e ainda um consagrado marqueteiro, nem o Conselho da República, que se compõe de membros de nacional representatividade; acompanhada do marqueteiro, já denominado de 40º ministro, voou a São Paulo para entrevistar-se com seu antecessor.

Desde então, o país rigorosamente está sem governo, ou melhor a televisão, por horas a fio, como uma espécie de sucedâneo, vem ocupando a seu modo o espaço vazio. Para encerrar este resumo, observo que depois de tornado sem efeito o aumento de R$ 0,20 nas passagens urbanas, causa declarada da rebelião, o movimento se ampliou e especialmente se agravou a violência, definida como vandalismo. Em síntese, o movimento que partira de uma reivindicação concreta tomou outras dimensões que podem ser difíceis de acolher e as correntes até aqui vencedoras difíceis em transigir e compor boas soluções.

Como notei, fazia-se praça de que o movimento era pacífico e só uma minoria exasperada cultivava a violência e em menos de semana tomou conta dos acontecimentos, basta dizer que em três grandes jornais que tenho sob os olhos, vejo que todos apontam a violência dominante em suas manchetes. “Mais de 1 milhão vai às ruas no país; violência marca protestos” – Estado de S. Paulo; “Manifestações se espalham com violência e morte pelo país” – Folha de S. Paulo; “Confronto e depredação, a violência se repete” – Zero Hora.

Não surpreende, é de ver-se que, em três dias, entre 17 e 19, US$ 628 milhões saíram do país, nem que, “mesmo com forte atuação do Banco Central”, dólar sobe 2,45% e fecha em R$ 2,25.

A eleição do prédio do Itamaraty para ser danificado é de superlativa estupidez, na medida em que escolhe um dos prédios mais originais sob o ponto de vista arquitetônico em toda a capital da República. Outrossim, feri-lo, enquanto corresponde à continuidade do histórico palácio da Rua Larga, no Rio, atinge simbolicamente a tradição diplomática nacional, iniciada quando o Brasil recém saíra do regime colonial, inexistia o serviço diplomático e, não obstante, não faltaram pessoas que iniciaram o que veio a ser motivo de desvanecimento internacional, quanto à qualificação do serviço das nossas relações externas.

Se assim foi a primeira semana após a vaia, não saberia responder como seriam a segunda e as sucessivas. Nessa altura, o regime não é autoritário nem democrático, enquanto flutua ao sabor da viração das ruas. O que espanta é que a senhora presidente não tenha reunido o seu ministério, a menos que também não acredite nele, nem se lembrado de convocar o Conselho da República para ouvir de seus 14 conspícuos integrantes.

Parece que o governo foi substituído pela publicidade televisionada. E isso pode não ser bom. Contudo, a mudança foi salutar a partir da denúncia quanto ao estigma da corrupção, sem falar que num instante o Brasil mudou de cara.

PAULO BROSSARD* | *JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF