sábado, 29 de junho de 2013


29 de junho de 2013 | N° 17476
DAVID COIMBRA

Sorte grande

Ovendedor de loteria ofereceu-me um bilhete na calçada de Copacabana. Recusei num menear de cabeça, e ele tentou o velho truque, e foi como se recuasse no tempo.

O truque é tão pueril que chega a comover: o vendedor simplesmente deixa um bilhete cair da mão, como se fosse distração, e vira-se, já indo embora. A ideia é que você, para quem ele ofereceu o bilhete, agache-se e junte o caído para devolvê-lo ao vendedor. Então, ele exclama:

– É a sorte que está procurando por você! Este bilhete é seu! Ele quer ficar com você!

Se você diz que não quer comprar e insiste em devolvê-lo, ele não aceita:

– É seu! É seu! Pode ficar com ele de graça. Não se brinca com a sorte. Você vai ficar rico. Rico!

Aí você se comove e não apenas paga pelo bilhete erguido do solo como compra os outros pedaços.

Não chega a ser um golpe, é mais um truque, e é antiquíssimo. Por isso recuei no tempo vendo aquele bilhete fazer volutas no ar, como uma folha seca despegada da árvore. Porque lembrei de um dia em que, menino, andava por uma rua de Porto Alegre de mão com meu avô.

Na nossa frente, um vendedor de loteria fez o mesmo gesto do vendedor de Copacabana, oferecendo-nos o que na época se chamava Sorte Grande, e meu avô, como eu, recusou num balançar de cabeça, e o bilhete se soltou da mão do vendedor e aterrissou suavemente na calçada. Então, meu avô fez algo que jamais esperaria dele: não se abaixou para colher o bilhete, apenas apontou-o com o bico do sapato e avisou:

– Teu bilhete.

E saiu andando, puxando-me pela mão. Perguntei por que ele fizera assim, ele que era sempre tão gentil com todos, e ele:

– É golpe, é golpe.

Fiquei muito apreensivo por ter sido uma quase vítima de golpe. Olhei para o vendedor, reconhecendo nele um terrível vigarista, e até tive medo, e talvez tenha sugerido ao meu avô que chamássemos a polícia, algo do gênero. Mas, agora, vendo o vendedor carioca repetir um truque tão antigo e singelo, pensei que isso só poderia acontecer aqui, nesse bairro envelhecido do Rio, que é Copacabana, e até senti simpatia pelo sujeito. Parei de caminhar e olhei para ele.

Era parecido com o vendedor de loteria da minha infância. Podia se o mesmo homem, com o mesmo bigode, a mesma postura de apoiar o corpo num pé só, o mesmo ar solícito. Lembrei do meu avô. Deu-me uma nostalgia, uma saudade. O vendedor sorriu para mim, esticando o braço com o bilhete.

– É seu! – dizia. – É seu!

A Sorte Grande. Tantos anos depois. A Sorte Grande. Quem sabe não era um sinal? Quem sabe eu, agora, devesse fazer o que meu avô não fez, e enriqueceria, como ele não enriqueceu? A Sorte Grande nos surgiu uma vez, mesmo que em forma de engodo, e agora surgia de novo, chamando: vem. Por que não? Ou quem sabe eu devesse comprar apenas em homenagem ao meu avô? Em homenagem a um passado revivido por um segundo.

– É seu! – ele repetia, abrindo ainda mais o sorriso.

Era um sorriso fácil. Fácil demais. Que levou-me a pensar que meu avô era um descrente, um homem que não confiava em sinais do acaso, um devoto da razão e, tal qual ele faria e fez um dia, retomei o meu caminho, não sem antes dizer para o vendedor:

– É teu.

Os grandes

Existem quatro seleções que são sempre favoritas, em qualquer competição que entrem, em qualquer jogo que disputem, mesmo que estejam em péssima fase, mesmo que os adversários estejam em ótima fase. São elas:

Brasil ..Argentina ..Alemanha e Itália.

Essas quatro seleções são como os 12 grandes times do Brasil. Nenhum outro time do mundo, nem Barcelona, nem Real, nem Bayern, nem Milan, nenhum haverá de enfrentar esses 12 grandes com certeza de que vai vencer. Esses 12 grandes, qualquer um deles, podem ganhar tudo o que disputarem, até o Botafogo pode.

O que quero dizer com isso é que a Espanha é melhor time, sim, mas o Brasil tem boa chance de vencer. A Espanha não tem um Neymar. Xavi e Iniesta são craques, mas são de natureza diferente.


São craques da bola curta, daquilo que os argentinos chamam de enganche no meio-campo. A Espanha precisa produzir um futebol de alta qualidade coletiva para marcar gol; o Brasil, não. O Brasil é capaz de marcar num lampejo, num lance único do jogador único. Como único será o jogo de amanhã, no Maracanã.