segunda-feira, 24 de junho de 2013


24 de junho de 2013 | N° 17471
PAULO SANT’ANA

O tsunami nas ruas

Estamos vivendo nas ruas um momento de sublime irracionalidade.

Noto todo mundo tentando explicar esse fenômeno de manifestações nunca antes vistas no Brasil. Até que muitas análises são bem razoáveis, outras bem fundamentadas.

Mas eu penso que esse fenômeno não se explica. Por acaso, o terremoto se explica? Os cientistas tentam explicar a origem dos terremotos, mas são explicações insuficientes.

Assim também esse terremoto que se instalou nas ruas carece de mais fundada explicação. Eu não quero dizer que não haja motivos para que as multidões protestem nas ruas. Há milhares de motivos.

O que eu quero dizer é que não se explica que esses motivos sempre existiram e nunca ninguém saiu para as ruas com tanta intensidade, tanto que ninguém sabe quando é que vão parar as manifestações.

Hoje dizem que vai haver mais.

Um tsunami não se explica. E estamos diante de um tsunami social, que inunda as casas pelas internet e se derrama pelas avenidas.

Um terremoto, um tsunami, essas passeatas todos os dias são forças da natureza. Elementos da natureza que de repente explodem. E não adianta querer procurar as causas.

O colega Luiz Antônio Araujo escreveu ontem em ZH brilhante artigo, por acaso no dia de seu aniversário, pelo que lhe mando um abraço.

Ele terminou seu sensível e inesquecível artigo assim: “Este espanto que as manifestações causam em tantas pessoas me lembra da senhora que foi assistir ao filme Troia e levou um susto quando os gregos começaram a sair do interior do cavalo de pau”.

Mas sempre que olho para as manifestações ligo-as às emergências lotadas dos hospitais a recusar pacientes, ligo-as à fila sinistra do SUS que só vai atender os que se inscrevem dali a cinco anos, oito anos, quando já estarão mortos ou mutilados. E vá Copas das Confederações e do Mundo bilionárias para divertir os desgraçados.

Essas passeatas, sem dúvida, em parte inconscientemente, são um libelo contra o caos da saúde no Brasil.

E são libelos conscientes contra a construção de estádios de futebol suntuosos, enquanto faltam milhares de hospitais no Brasil. Tanto se constituem em acusação ao sistema político que ostentam cartazes condenando a Copa do Mundo no Brasil.

Da minha parte, faz anos que empunho cartazes exatamente com esses dizeres aqui nesta coluna: fui o primeiro jornalista que se declarou contra a Copa do Mundo aqui e fui o primeiro e único jornalista a verberar com veemência e continuidade as filas mortuárias do SUS.


Por isso, enquanto vejo as multidões desfilar pelas avenidas, descanso em paz com a minha consciência: eu fiz o que tinha de ser feito.