sexta-feira, 19 de dezembro de 2014


19 de dezembro de 2014 | N° 18018
ARTIGO ZH

A ESCOLA PRECISA DE MAIS VIDA

A tese de cuja banca de defesa participarei nesta sexta-feira, em Angers, França, aborda os saberes construídos na “escola da vida” por adultos pouco ou nada escolarizados, no Brasil.

Trata-se de uma gostosura de pesquisa feita em Alvorada, Rio Grande do Sul, e em Recife, Pernambuco, respectivamente com um grupo de senhoras e com um senhor, todos eles não alfabetizados na idade certa.

Candy Marques Laurendon, francesa filha de portugueses, está quase brasileira, depois de realizar esse belo trabalho científico. Ela buscou entender o que e como alguém pode aprender matemática na “escola da vida”. Candy constata que esses conhecimentos são mais limitados do que os construídos na escola, mas que são muito mais ricos de significado, o que explica a sua surpreendente efetividade.

Essa efetividade se deve, em primeiro lugar, ao fato de serem saberes ligados ao seu dia a dia e, em segundo lugar, a serem construídos pela própria pessoa. Os adultos se sentem autores de suas próprias aprendizagens. Dizem ter aprendido sozinhos e delas muito se orgulham.

Na verdade, ninguém aprende nada sozinho, aprende-se sempre com os outros. Mas ter a convicção de que quem realizou o processo foi quem aprendeu é algo importantíssimo e insubstituível. Há 22 anos, na Vila Santo Operário, pela primeira vez vivi essa maravilha.

Antônio, um de meus alu- nos que acabara de se alfabetizar, perguntado: “Quem te ensinou a ler?”, respondeu: “Ninguém, eu aprendi pensando e perguntando”.

É claro que ele não aprendeu sozinho, mas o que interessa é que ele se sentiu comandando o seu processo.

Essa convicção emancipa e dá gosto de aprender.

Em segundo lugar, na “escola da vida” os saberes são vinculados ao dia a dia. Na vida, hoje há aprendizagens candentes sobre drogas, tráfico, sexualidade, violências, corrupção... O medo de abordá-las em sala de aula esvazia a escola de sua inserção com a vida e com isso esvazia as chances de ensinar porque ignora significados que afetam os alunos.

A “escola da vida” tem, portanto, muito que contribuir para que haja muito mais vida nas escolas.

Doutora em Psicologia Cognitiva e coordenadora de pesquisa do Geempa


ESTHER PILLAR GROSSI