sábado, 20 de dezembro de 2014


20 de dezembro de 2014 | N° 18019 PALAVRA DE MÉDICO
Por J. J. Camargo, cirurgião torácico e diretor do Centro de Transplantes da Santa Casa de Porto Alegre.

SAIR DE CASA:PARA QUÊ?

A PREMÊNCIA DA GERAÇÃO ANTERIOR DE TER UM ESPAÇO SÓ SEU PASSOU A SER INTERROGADA

Se começar a vida é sair de casa, podemos dizer que a juventude deste começo de século, definida como a geração canguru, tem cada vez menos pressa. O que foi premência da geração anterior – ter um espaço só seu – passou a ser interrogado e, contraposto às perdas impostas por essa iniciativa desassombrada, resultou em: independência, a troco de quê?

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 61,7% da população brasileira entre 18 e 29 anos ainda mora com os pais. A motivação para a permanência é que eles aproveitem ao máximo as facilidades que o manto paterno lhes dá, para que juntem dinheiro e possam investir mais na profissão, seja ela qual for. Sem contar que alguns se encaminham para a maturidade sem uma escolha definida, o que parece justificar a permanência sob os olhares vigilantes dos que foram treinados até para suportar a indefinição.

Só mais tarde é que os rebentos alçam voo para fora do ninho. E, curiosamente, este mais tarde está ficando cada vez mais tarde. Tanto mais que alguns, os extremados, nunca saem, porque alguns pais, desanimados de vê-los partir, decidiram antes morrer, poupando-lhes até o incômodo de terem de mudar de CEP.

Com a redução gradual do número de filhos, o beliche virou peça de museu, e o inconveniente de ter de competir por espaço com os queridos irmãos praticamente despareceu. Sendo assim, aquele pretenso “cantinho só meu” deixou de ser uma imposição da autoestima que projetava a afirmação pessoal para representar uma tolice de quem não tem noção do quanto vale uma roupa lavada com amaciante perfumado e comidinha com tempero da mamãe. Coisa de babacas!

O respeito com que antes se falava de quem tinha pego seus trapos e saído pelo mundo passou a ser visto como birra de adolescente mimado, e qualquer referência ao gesto intempestivo desses ingratos era seguido do relato de vários exemplos desses tipos ingênuos que, depois de uma temporada de infortúnios, voltaram para o recanto do lar, com o rabo entre as pernas e um punhado de carnês atrasados na mão.

Todos os que voltam são unânimes em reconhecer que pagar luz, água e condomínio é insuportável, sem falar numa exigência execrável, que eles desconheciam até então, mas que os velhos cumprem com resmungos inaudíveis: pagar imposto. As rodinhas que debatem o destino desses aventureiros fraudados sempre terminam com um risinho que mal disfarça uma mensagem implícita: bem feito!

Por outro lado, aquela legião de adultos jovens que abandonava o ninho para casar descobriu, com a permissividade dos tempos modernos, que ninguém vai se escandalizar se o príncipe trouxer a cinderela para fazer companhia para a mamãe, sempre tão só, coitadinha. Claro que ninguém está interessado em perguntar o quanto a pretensa solidão desagrada a sogrinha.

E essa nova condição não é uma exclusividade brasileira: os jovens europeus entre os 18 e os 29 anos estão com dificuldade crescente de sair da casa dos pais. Segundo um estudo divulgado pelo European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions (Eurofound), há cada vez mais jovens sem capacidade de garantir sua autossustentação econômica.

Entre 2007 e 2011, o número de jovens adultos vivendo na casa dos pais, entre os 28 Estados-membros da União Europeia (UE), aumentou de 44% para 48%.

À interminável crise econômica mundial, que limita o acesso dos jovens ao primeiro emprego em todo o mundo, soma-se a perda gradual da segurança nas nossas cidades.

Fácil perceber nas entrevistas com os pais a ambivalência que os consome: de um lado o desejo de vê-los voar com suas próprias asas. De outro, a certeza de que ninguém será capaz de protegê-los com tanto amor.

No fundo, todos os pais sabem que criamos os filhos para o mundo, mas esse precisava ter se tornado um lugar tão perigoso?


Então, filho amado, vá se divertir, mas, pelo amor de Deus, não ponha o celular no silencioso.