sábado, 5 de maio de 2018


05 DE MAIO DE 2018
DAVID COIMBRA

A maldade das mulheres


- Tenho uma última pergunta - ele avisou, e foi essa frase que chamou minha atenção. Naquele momento, decidi me esforçar para ouvir a conversa.

Isso é bem brasileiro. Anglo-saxões não ficam observando os outros nos trens nem capturando frases desgarradas. Mas suspeito que até um daqueles ruivos branquicelas do Maine tentaria acompanhar a cena que se desenrolava bem na minha frente no metrô. A entonação da voz dele, o olhar dela, a linguagem corporal, ele debruçado para a frente, ela inclinada para trás, tudo indicava que o rapaz estava sendo dispensado miseravelmente. Porém, ele queria fazer uma última pergunta.

O que um homem pretenderá perguntar numa situação embaraçosa dessas? A atitude correta a tomar é não perguntar nada, não pedir nada, nem mesmo falar nada, apenas ir embora com a espinha ereta e uma réstia de dignidade. Mas quem diz que conseguimos? Não, não conseguimos. Em geral, nós, homens, não resistimos à poderosa tentação de rastejar quando uma mulher nos rejeita.

A paixão é uma doença. Aquele rapaz estava obviamente doente, pobre coitado. Agora, ela iria amassá-lo como se ele fosse um verme. As mulheres, ao contrário de nós, frágeis que somos, as mulheres não são clementes nem generosas quando um homem se humilha. Nada disso: elas querem humilhá-lo ainda mais, elas querem ridicularizá-lo para depois contar às amigas:

- Ele implorou tanto... Ela está prestes a destruí-lo, pensei. Tive vontade de puxá-lo para fora do trem, num gesto desesperado de solidariedade masculina, mas, antes que pudesse dizer Cucamonga, ele fez a pergunta.

E que pergunta!

A pior pergunta que um homem pode fazer para uma mulher em todos os tempos, Amém.

O rapaz perguntou o seguinte: - Ele faz amor melhor do que eu?

Quase gritei: - Nããããããããão!

Humilhar-se, sim! Rastejar, sim! Escrever poemas, talvez. Mas nunca, jamais, fazer essa pergunta.

Comecei a suar. Era como se estivesse testemunhando um genocídio. Olhei para ele: era um magrinho até bem apessoado, teria possivelmente seus 22 ou 23 anos de idade e a maior cara de quem está cursando Engenharia. Sim, devia ser Engenharia. Depois que ela respondesse, será que ele teria estabilidade emocional para continuar o curso? Uma vida poderia estar mudando para sempre ali, diante dos meus olhos. Eu poderia estar olhando para um futuro homeless.

Olhei para ela. Uma morena no frescor dos 19 anos de idade. As mulheres com 19 anos de idade são perigosíssimas, como se sabe. Parecia ter pele macia, os olhos eram amendoados e os dedos longos. Você pode esperar as maiores crueldades de uma mulher de dedos longos.

Tentei adivinhar o que ela sentia pela expressão de seu rosto e julgo ter divisado um minúsculo relâmpago de satisfação em seu olhar. Ah, ela estava gostando daquilo. Ela era como Gengis Khan depois da conquista de uma cidade. Khan costumava dizer: "A maior alegria de um homem é derrotar seu inimigo, tomar as suas posses, cavalgar seus cavalos e possuir suas mulheres e filhos".

Foi aquela luz que eu vi em suas pupilas de aço. A luz do vencedor inflexível. Ela era o Flagelo de Deus.

O rapaz esperava pela resposta com a boca apertada e os olhos arregalados. Ela suspirou. Olhou para um lado. Para o outro. Olhou para ele. Para o fundo dos olhos dele. Ia dizer a verdade, percebi. A arrasadora verdade. O Flagelo de Deus, murmurei. Todas as mulheres são o Flagelo de Deus!

Aí ela falou. Sua voz veio cheia de melodia, embora a frase tenha sido breve:

- Você é melhor.

Abri a boca. Ele sorriu. Eu sorri. Ela olhou pela janela, para o lado de fora. Clemência e generosidade. Algumas mulheres ainda têm clemência e generosidade.

DAVID COIMBRA