terça-feira, 17 de setembro de 2019


17 DE SETEMBRO DE 2019
CARPINEJAR

Mamadeiras de outrora

Os bebês de antigamente tinham mais força nas mãos. Meu pai e minha mãe, quando crianças de colo, seguravam o mundo com mais firmeza. Minha percepção não é uma gratuidade. Vem de fatos.

Na época deles, havia a mamadeira de vidro. A Curity era a fabricante mais conhecida. Uma verdadeira garrafa, não esses leves e descartáveis tubos de plástico. Garrafa grossa, pesada, inquebrantável. Se caía no chão, era o piso que se partia.

Durava os cinco primeiros anos de uma vida. A família não se preocupava em repor o material. Lavava-se o recipiente e se reutilizava infinitamente. Fazia parte de uma consciência ecológica antes mesmo da emergente preocupação ambiental.

A argola colorida diferenciava o uso entre os irmãos. Como uma escova de dentes, pessoal e intransferível. A mamadeira ocupava o galardão do enxoval, mimo reservado aos padrinhos.

O leite apresentava mais gosto de roça. Mais gosto de vaca, por assim dizer (assim como o refrigerante soa mais gostoso na garrafa de vidro).

Existia o hábito de criar responsabilidade desde cedo, uma independência forçada, uma noção de carregar os próprios pertences logo ao pisar no mundo.

Um recém-nascido já posava com cara de adulto. Uma criança já vestia terno ou vestido. Estranho mundo sem infância como a conhecemos. Vi foto preto e branco de minha mãe pequena empunhando a sua mamadeira. Não contive a gargalhada diante da precocidade.

Ela tinha de pegá-la com ambas as mãos e ainda equilibrá-la com o rosto. Nem chorava, destinava o esforço inteiro do corpo para o malabarismo. Uma distração emocional, e perdia o controle.

No tempo dos meus pais, os objetos prezavam pela durabilidade. Reinava uma valorização da resistência, um elogio à sobrevivência.

Capô de carro vinha a ser de aço, jamais a carroceria atual que amassa em uma sentada. Máquinas de lavar exibiam tanques pesados, compactos, impossíveis de serem transportadas por uma só pessoa.

Não era admitido se entregar à tristeza com facilidade. Confissões e declarações de amor se assemelhavam a atestados de fraqueza, a um povo que experimentou a carestia generalizada da Segunda Guerra Mundial.

O que explica e muito a dureza do comportamento das gerações mais velhas. Não é que sejam mais frias, porém mais calejadas. Não contavam com ninguém por perto para pedir ajuda. Acostumaram-se a não reclamar. Nem na hora de mamar desfrutavam de privilégios.

CARPINEJAR

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