quarta-feira, 18 de setembro de 2019



18 DE SETEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA

Como o futuro verá o impeachment de Dilma

Acordei, ontem de manhã, fui conferir minha caixa de e-mails e? nossa! Mas o que é isso? Havia MAIS DE VINTE mensagens comentando o mesmo assunto: o ex-presidente Temer teria admitido, em entrevista ao Roda Viva, que o impeachment de Dilma fora um golpe de Estado.

Não assisti ao Roda Viva, mas me animei, porque, por coincidência (e competência), o produtor Bruno Pancot havia marcado entrevista com Temer para o Timeline do mesmo dia. Não precisei nem combinar com a Kelly: a primeira pergunta foi se ele achava que o impeachment tinha sido um golpe, tese repetida ad infinitum pelos petistas.

É claro que ele respondeu que não, o impeachment NÃO FOI um golpe. E acrescentou que tinha feito essa observação durante a entrevista ao Roda Viva. Depois de falarmos com ele, procurei a gravação do programa e, de fato, lá está Temer, a seis minutos e pouco de entrevista, afirmando com clareza:

- A primeira coisa que eu quero dizer, evidentemente, é refutar essa questão do golpe.

Pensei que este fosse um tema antigo, do qual a maioria das pessoas nem se ocupasse mais, mas bastou Temer ter pronunciado a palavra "golpe" para que muita gente ficasse excitada e pregasse uma espécie de revisão histórica precoce. As pessoas querem que a realidade se adapte ao seu desejo. O que me leva a cogitar como esse tema será abordado no futuro.

Bem. Se os nossos pósteros decidirem investigar a respeito daquele momento brasileiro, vou deixar-lhes aqui um recado: no Brasil do século 21 é impossível dar-se um golpe de Estado por meio de impeachment.

Explico. Há três condições indispensáveis para que seja decretado o impedimento de um presidente brasileiro. A primeira, e mais importante, é a forte adesão popular. Sem gente na rua, nenhum presidente é afastado por impeachment.

No caso de Dilma, o grito da população não foi um grito, foi um brado retumbante. A cada manifestação, o número de participantes aumentava, a ponto de, em um domingo, as passeatas reunirem 6 milhões de pessoas, algo jamais visto na história deste país e raras vezes visto na história dos outros países.

Com a população nas ruas, chega-se à segunda condição: o apoio do Congresso. Um presidente impopular tem chance (mínima) de se salvar se tiver alinhavado alianças sólidas no parlamento. Para isso, porém, ele precisa ser um negociador habilidoso, coisa que Dilma definitivamente não é. Ao contrário, ela foi paulatinamente rompendo os liames que Lula havia amarrado com paciência durante décadas, isolando-se até dentro do PT.

Finalmente, existiria uma minúscula, remota, improvável, mas possível possibilidade de ela evitar o impeachment, se o STF identificasse flagrante inconstitucionalidade no processo. Isso também não aconteceu. Alguém poderia reclamar que a, digamos, "alegação oficial" para o impeachment, as pedaladas fiscais, era um preciosismo técnico, mas, ainda que fosse, estava dentro da lei.

O impeachment de Dilma, portanto, foi constitucional. Como foi o de Collor. Como haverá de ser qualquer um outro, se houver. Nossos descendentes saberão que o Brasil da segunda década do século foi um país confuso, atribulado e dividido, mas com algumas regras que começaram a ser respeitadas. É pouco. Mas é um avanço.

DAVID COIMBRA

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