sábado, 21 de setembro de 2019


21 DE SETEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA

Eu odiava fazer visita

A Rita Lobo é contra massa com salsicha. Na verdade, ela é contra salsichas. Pelo menos foi o que insinuou nesta sexta, quando a entrevistamos no Timeline.

- Nada de alimentos ultraprocessados! - bradou.

Será que todas as salsichas são ultraprocessadas? A minha avó fazia salsichas com as próprias mãos, e acho que não as ultraprocessava. Como será que se ultraprocessa uma salsicha, afinal?

Na Alemanha, a terra da salsicha, existem 1,5 mil tipos delas e duvido que todas sejam ultraprocessadas. Não, os alemães não fariam isso com suas salsichas?

Já contei a respeito do meu plano com as salsichas alemãs? Tem a ver com as ilhas Maldivas. Porque há 1,5 mil ilhas Maldivas e 1,5 mil salsichas alemãs. Meu projeto é conhecer uma ilha Maldiva por dia e, em cada dia, comer um tipo de salsicha alemã. Pode ser, inclusive, que em um desses dias eu aproveite a salsicha para temperar o molho da massa, o que causará escândalo em Rita Lobo, mas agradará o meu amigo Admar Barreto, aquele amante das massas com salsicha.

Quem me apresentou a Rita Lobo foi a Marcinha. Na verdade, apresentou-me o programa de culinária dela. Gostei de ver, porque ela cozinha dançando. Deve ser muito boa a comida de quem cozinha dançando.

Comida tem que ser preparada assim, com alegria e paciência. Melhor ainda se for com amor por quem vai comer, porque o contrário é uma tragédia.

Lembro de, uma vez, quando eu era pequeno, que a minha mãe me levou para "fazer visita" a uma amiga ou parente dela, sei lá. As mães submetiam os filhos a essa provação, no passado. Elas avisavam: "Hoje vamos fazer visita". Era horrível. Era sempre uma chatice. Eu queria jogar bola com meus amigos, puxa vida, e não ficar ouvindo aquelas conversas maçantes de adultos. Hoje eu acho que as pessoas não fazem mais visita, elas conversam pelo Whats.

Daquela vez, nós fomos fazer visita na hora do almoço. Sentamos à mesa e a tal amiga ou parente da minha mãe botou bem na minha frente uma enorme travessa de massa com salsicha provavelmente ultraprocessada. Eu estava com fome e me servi de uma porção generosa, até porque a massa parecia boa. Antes, porém, de eu dar a primeira garfada, a cozinheira veio lá de dentro. Era a mãe ou tia ou avó da dona da casa. Ela se instalou em uma cadeira sem sorrir nem cumprimentar ninguém e disse alguma coisa. Quando ouvi sua voz, me arrepiei. Olhei para ela: era uma mulher sinistra.

Vou dizer para você que acredito no Método Lombroso: a aparência das pessoas diz um pouco (ou até muito) do que elas são. A personalidade de um ser humano vai desenhando o seu rosto ao longo dos anos e vai mostrando quem ele é. Quando você tem uma sensação estranha ao ver alguém, não aconteceu nada sobrenatural, nada transcendental: foi a sua inteligência que lhe mandou um aviso. Esse "instinto" nada mais é do que o som do alarme disparado por sua própria experiência dizendo que, antes, você viu algo semelhante. Não descarte essa advertência. Preste atenção. Investigue o seu sentimento. E você descobrirá que um gesto breve ou a entonação de uma frase fizeram uma revelação e talvez estejam até gritando: "Cuidado!"

Foram essas sirenes que soaram quando vi a mulher que preparou aquela massa. "Ela é má", pensei, enquanto levava uma garfada à boca. Assim que dei a primeira dentada, a impressão se confirmou: a massa tinha sabor de ressentimento azedo, de mágoa antiga, de ódio corrosivo. Olhei para o meu prato cheio daquela substância repulsiva e me perguntei, com desespero: "E agora? O que é que vou fazer com isso?" Foi o pior almoço da minha vida, logo eu, que, a despeito dos preconceitos de Rita Lobo, gosto de massa com salsicha.

Não foi o ultraprocessamento que me trouxe aquele dissabor gastronômico de infância. Foi o sentimento com que a cozinheira temperou a comida que preparou. Tenha precauções, portanto: escolha pratos de cozinheiras que pareçam boas pessoas. E que, se possível, dancem enquanto fazem o molho da massa.

DAVID COIMBRA

Nenhum comentário:

Postar um comentário