sexta-feira, 10 de abril de 2020



10 DE ABRIL DE 2020
DAVID COIMBRA

Cloroquina, essa reacionária

Petistas tomam cloroquina? Bolsonaristas é certo que tomam. Eles se lambuzam inteirinhos de cloroquina. Bolsonarista que é bolsonarista anda com um pacote de cloroquina numa mão e uma arma na outra. Mas um cara como, digamos, o Boulos, se ele pega corona, ele não vai aceitar cloroquina, ele vai tomar um remédio feito lá em Cuba.

Li num site de esquerda que Cuba desenvolveu um remédio bom para curar corona. E, num site de direita, li que Israel também desenvolveu o seu. Será que alguma dessas notícias é verdadeira? Que ideologia salvará o mundo? Seja qual for, certamente o MDB estará com ela.

Eu sempre critiquei o Bolsonaro, não é o tipo de político que mais admiro, mas, vendo-o falar com tanto entusiasmo da cloroquina, sinto vontade de sair correndo para a farmácia e comprar uma caixa. Duas. Talvez três.

Tenho a tendência de acreditar nas pessoas com muitas certezas. Fico pensando que toda aquela convicção deve ter algum fundamento. Isso é péssimo, porque me faz trocar de opinião a todo instante. Às vezes acho que o isolamento deve ser vertical, às vezes acho que deve ser horizontal, às vezes acho que tem de afrouxar, às vezes acho que deve ser mais rigoroso.

Gostaria de professar uma ideologia, de ser um comunista ou um neoliberal, gostaria de ser dogmático. Poderia até ser um desses liberais brasileiros, que são mistos, meio que como a China: liberais na economia, conservadores nos costumes. Ou um desses comunistas brasileiros, que fazem compras em Nova York e vão à missa durante a eleição. Seria tão mais prático. Já saberia exatamente o que pensar.

Mas, infelizmente, muitas vezes não sei o que pensar. Vou até aproveitar a nossa intimidade, amado leitor, para fazer uma confissão: não raro, simplesmente duvido de que tudo isso esteja acontecendo. Sério. Parece impossível que a humanidade inteira seja submetida a um mesmo mal, ainda mais algo tão pequeno, menor do que uma célula, um vírus, organismo que alguns cientistas acreditam que nem vivo está. Como é que podemos ser escravizados por um organismo não vivo?

A ideia de que não há lugar para fugir nem onde se esconder, de que não posso pegar meu carro e, de repente, ir embora, easy rider, pela estrada afora eu vou bem sozinho, a ideia de que não existe a possibilidade de levar doces para a vovozinha, de que o mundo todo passa exatamente pela mesma situação, essa ideia não é verossímil. Tem alguma coisa errada. Estão brincando conosco.

Esse sentimento está produzindo o efeito contrário: já não acredito em mais ninguém. Desconfio de todos. Do isolamento de direita e do isolamento de esquerda, do Bolsonaro e sua cloroquina, da OMS, dos governadores, dos ministros, até da Charlize Theron. Oh, Deus, o Cazuza estava certo: ideologia, eu quero uma pra viver.

DAVID COIMBRA

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