sexta-feira, 11 de novembro de 2022



OPINIÃO DA RBS

CUIDADOS SOCIAIS E FISCAIS

Não se põe em dúvida a prioridade do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em dar atenção à área social. Uma de suas obsessões é acabar com a fome no Brasil. Foi com essas bandeiras que o petista venceu a eleição e nenhum cidadão ou agente do mercado poderia esperar que, passado o pleito, as principais promessas fossem esquecidas. Mas é preciso que o novo governo sinalize e faça movimentos no sentido de demonstrar que também terá responsabilidade fiscal. Caso contrário, estará dando com uma mão, enquanto, ao mesmo tempo, tira com a outra. Juro alto, dólar apreciado e inflação em ascensão atrapalham a retomada da economia e corroem a renda, especialmente da população mais humilde.

Em uma fala ontem pela manhã, no local onde trabalha a equipe de transição, em Brasília, Lula voltou a dar ênfase aos desafios sociais, mas de uma forma que transpareceu preocupação secundária com a saúde das contas públicas. A repercussão foi péssima, com forte queda da bolsa e disparada do dólar e do juro futuro. É equivocado reagir praguejando contra o mercado. Os investidores apenas fazem as contas e concluem que, quando um governo gasta muito mais do que arrecada e não vê problema nisso, obviamente terá cada vez mais dificuldades para cumprir os seus compromissos. Dessa forma, o dinheiro que o poder público toma na praça para se financiar terá um custo maior.

Já estava precificada uma saída fora do teto de gastos para custear o Bolsa Família de R$ 600 em 2023. Seria necessário, no entanto, que fosse uma excepcionalidade, e não uma licença permanente. Esse temor, no entanto, parece que vai se confirmar. Ao mesmo tempo, o futuro governo deveria mostrar que trabalha em uma nova fórmula para ser a âncora fiscal do país. Afinal, Lula tem a posição de que o teto de gastos deve acabar. Até agora, porém, não há sinais do que pode substituí-lo como ferramenta a inibir o aumento desenfreado de despesas.

São incertezas que se somam à indefinição do futuro ministro da Fazenda. A equipe de transição da área econômica tem nomes vinculados ao PT, mas também pessoas ligadas à criação do Plano Real, como Pérsio Arida e André Lara Resende, o que traz alívio ao mercado, por sinalizar austeridade. Mas o próprio vice-presidente eleito e coordenador da transição, Geraldo Alckmin, declarou que os indicados para estes postos não estarão necessariamente no governo. Assim, segue desconhecido o perfil do futuro ministro e se será técnico ou político. A falta de previsibilidade faz preço, e não apenas no curto prazo.

É preciso reconhecer, por outro lado, que o novo governo, pelos encontros nos últimos dias, indica a construção de uma relação mais harmoniosa com os demais poderes da República. A estabilidade institucional também é um fator a ser considerado. Mas a sustentabilidade das contas públicas é fator-chave para o êxito de uma gestão. O primeiro mandato de Lula, de 2003 a 2006, foi bem-sucedido ao conciliar responsabilidade fiscal com atenção social. Espera-se que o petista se espelhe nesse modelo exitoso e não no período que veio a seguir. Cuidar das contas também significa ter espaço orçamentário para prioridades sociais. Além disso, é um fator gerador de confiança entre os empresários, que assim acabam demostrando maior segurança e otimismo para investir e movimentar a economia.

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