quinta-feira, 24 de novembro de 2022


24 DE NOVEMBRO DE 2022
CARPINEJAR

Uma das passagens mais doces da escrita do uruguaio Eduardo Galeano vem de O Livro dos Abraços: quando o pai Santiago conduz o filho Diego para ver o mar pela primeira vez. E Diego, assustado com a imensidão das águas, enxergando o oceano do alto das dunas, pede ajuda ao pai: - Me ensine a olhar?

Vivi algo parecido com os meus filhos. Quando os levei para São Borja e paramos para admirar o pôr do sol. Essa mudez diante da beleza temos também com o pampa. O pampa é um mar de gramíneas, uma extensão descabida de campo misturada ao horizonte.

Abri a porteira da fazenda de um amigo e apenas disse para os filhos: - Podem correr! E eles me perguntaram: - Até onde, pai? - Até onde aguentarem! - respondi.

No caso, as pernas eram os olhos das minhas crianças, e elas não davam conta daquele espaço cósmico de fofura verde, com figueiras tremulando as suas folhas, querendo ardentemente um hóspede, uma visita, para oferecer sua sombra e sair um pouco da sua solidão parada de raízes.

Não há maior experiência de liberdade do que correr sem marcação, sem um limite, pelo pampa aberto. Em cima do cavalo ou em cima das alpargatas.

O ar é mais cerrado na campanha, o clima temperado, com as estações bem definidas. Mergulhamos de repente no universo de Gulliver. Tornamo-nos formigas, miniaturas, dentro de uma cuia de chimarrão. Meus filhos saciaram a sua ânsia de minuano e se estrebucharam no chão, tontos e exaustos, observando a lua e as estrelas chegarem de mansinho.

Deitei-me ao lado deles e lembrei o verso que o compositor argentino Atahualpa Yupanqui ouviu de um camponês: - O pampa é o avesso do céu. "E também seu espelho, seu complemento", elaborei em pensamento.

O que mais impressiona é que o pampa parece se unir mesmo ao firmamento nos declives das coxilhas, como se fossem um único elemento indivisível, com as nuvens pastando por engano na planície. É a nossa sensação mais contundente de infinito, nossa escola de saudade, de suspiro. Se sabemos acenar de longe, é que sempre houve um pampa entre nós.

Naquele deserto povoado e fértil, você é assaltado por emoções estranhas de pertencimento e apego: ali, fica com vontade de escrever cartas, fica com vontade de mandar um postal para um parente distante, fica com vontade de perdoar qualquer desafeto, anistiando a memória.

É uma paz de espírito que nos devolve a firmeza do corpo. Admirar a campanha é perder o fôlego e aguardar que alguém nos ensine generosamente como olhar. Quando íamos embora, ainda fomos brindados com a presença de um guaraxaim. Ele entendia muito bem o que estávamos sentindo.

CARPINEJAR

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