sábado, 26 de novembro de 2022



26 DE NOVEMBRO DE 2022
FLÁVIO TAVARES

A TRAGÉDIA PRESENTE

Faltam adjetivos para definir o erro do Legislativo gaúcho ao alterar a chamada Lei Kiss com o fim de facilitar a concessão de alvarás do Corpo de Bombeiros para 991 diferentes atividades empresariais. Chame-se irresponsabilidade, absurdo, insensibilidade, cegueira ou o que for, tudo será pouco e parco para qualificar a decisão.

A tragédia da boate Kiss, anos atrás em Santa Maria, com 242 mortos e centenas de sequelados, foi esquecida por nossos deputados? Por 39 votos a sete, em debates sumários devido à "urgência", mudaram a lei vigente após a tragédia de Santa Maria. Só PT e PSol votaram contra. Daqui em diante, bastará apenas uma autodeclaração dos empreendedores pela internet afirmando que a atividade é segura e sem risco de incêndio.

O líder do governo no Legislativo, deputado Mateus Wesp (PSDB), vangloriou-se de que, com a alteração, "será possível abrir uma empresa em 10 minutos". Não é essa urgência, porém, que prevalece em casos de risco de incêndio. Na boate Kiss, em 10 minutos o fogaréu já asfixiava e matava?

A alteração da Lei Kiss relegou o Corpo de Bombeiros a plano inferior e fez dele simples burocracia, que, sem inspeção, atuará só pelo que disser a tal da autodeclaração recebida no computador. Indago: quem irá classificar sua própria atividade como "de alto risco" de incêndio?

Em Santa Maria, nem a banda que ateou fogo queria incendiar e matar.

A tragédia está presente até no futebol da Copa do Mundo, como no caso das ex-campeãs Argentina e Alemanha. A Seleção do Brasil estreou vencendo, mas guardo ainda na memória a tristeza de 16 de julho de 1950 na derrota final, no Maracanã, ante o Uruguai.

Após a derrota, dois desastres aéreos aterrorizaram o Rio Grande. Ainda sem radar, o Constellation da Panair bateu no Morro do Chapéu, em Sapucaia, e morreram 59 pessoas. Dois dias após, o avião em que viajava Salgado Filho, candidato a governador, caiu na fronteira, matando passageiros e tripulantes.

Mas nem isso superou o trauma da derrota no Maracanã. Anos depois, o capitão dos uruguaios, Obdúlio Varela, contou-me que, após o jogo, foi conhecer Copacabana e viu as pessoas chorando nas ruas: "Para acalmar o pranto, tive vontade, até, de entregar a taça Jules Rimet à Seleção do Brasil", disse-me ele.

FLÁVIO TAVARES

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