domingo, 22 de setembro de 2013


22 de setembro de 2013 | N° 17561 VERISSIMO
As aventuras da família Brasil

Recaída

A proposta era simples. Claudia acompanharia João Carlos numa visita à casa dos seus pais, na cidadezinha onde nascera, e seria apresentada como sua namorada. Alguém o tinha visto no Rio e chegara à cidadezinha com a notícia de que ele era gay. Ele precisava provar que não era gay.

– Mas você não tem uma namorada de verdade? – perguntara Cláudia. – Por que eu?

– Porque eu sou gay.Não tenho namorada. Tenho namorado. O nome dele é Roni. Não posso aparecer lá com o Roni.

– Mas ninguém liga pra isso, hoje em dia. Liga?

– Na minha cidade, na minha casa, ligam.

Cláudia hesitara. Quase não conhecia João Carlos. A ideia de passar o Natal e o Ano Novo com um quase desconhecido, na casa de uma família totalmente desconhecida, numa cidadezinha inimaginável, não a atraía. Se bem que... Poderia ser divertido. O João Carlos não era antipático. E os dois se fingindo de namorados, enganando todo o mundo... Ela não tinha outros planos para o fim do ano. Nenhum desfile agendado. Seria divertido. Topou.

No aeroporto, antes de embarcarem, João Carlos se despediu de Roni com um beijo prolongado e disse para ele não se preocupar.

– Não vá me ter uma recaída... – disse Roni, indicando Cláudia.

– Pode deixar – disse João Carlos. –Não há perigo.

Os três riram muito.

Ao churrasco na casa dos pais de João Carlos, na primeira noite, veio gente de toda a região, parentes e amigos e até alguns que ninguém conhecia, para ver a namorada carioca. A notícia de que Cláudia era, além de carioca, uma bela mulher, uma modelo, se espalhara rapidamente e todos queriam vê-la, e ouvi-la, e dizer: “O Joãozinho, hein? Quem diria”. Os dois tinham dormido em quartos separados, João Carlos no seu quarto antigo, Cláudia com a irmã dele.

A mãe do João Carlos, que via novela e sabia que aquilo era comum, não se importaria se os dois dormissem juntos, mas “o seu pai, sabe como é...” Eles sabiam como era. Não dormiam juntos, mas passavam o tempo todo se acariciando e se beijando, em casa e na rua. Provando para a cidade inteira que aquele boato de que o João Carlos tinha desandado no Rio era invenção, pura invenção. Gostava de mulher. E, a julgar pela Cláudia, gostava de grandes mulheres

Foi na noite de Ano Bom, depois de muito frisante no clube, depois de se abraçarem e se beijarem apaixonadamente à meia-noite para todos verem, que os dois chegaram em casa e não foram cada um para um quarto, foram para o quarto do João Carlos, quem diria, onde se amaram durante toda a madrugada, tentando não fazer muito barulho. E de manhã suas pernas ainda entrelaçadas com as de Cláudia, João Carlos lamentou o acontecido, e disse: “Bem que o Roni me avisou...”, e a Cláudia beijou a ponta do seu nariz e disse:

– Pronto, pronto

Voltaram para o Rio no dia 2, o João Carlos silencioso no ônibus e no avião, com cara de culpa, depois de pedir a Cláudia que em hipótese alguma comentasse a sua recaída para quem quer que fosse senão o Roni ia acabar sabendo, e a Cláudia silenciosa, com o secreto orgulho de ser tão desejável, tão mulher, que provocara a recaída fatal do João Carlos, depois de prometer que não contaria nada a ninguém, que aquilo ficaria entre os dois, só entre os dois, para sempre.

Ainda ontem a Cláudia encontrou o Roni e perguntou pelo João Carlos e o Roni disse:

– Quem?! – O João Carlos. Seu namorado.

– Ah, é. Está bem. Muito bem. Quer dizer. Olha aqui... Esse negócio de namorado...

– Você também mal conhecia o João Carlos. Não é?

– É. Eu...– Ele pediu para você fingir que era o namorado dele.

– É. – O seu nome nem é Roni.

– Não. Cláudia sorriu. Pensando: se o João Carlos tivesse me pedido, honestamente, sem mentir, sem encenação, topa ou não topa, eu teria topado? Provavelmente não. Uma mulher como eu? Provavelmente não. O falso Roni tinha chegado mais perto e estava dizendo:

– Olha, eu também não sou gay. E se quiser, posso provar.

Cláudia se afastou, ligeiro. Pensando: ô raça, essa masculina!