quinta-feira, 26 de setembro de 2013

PASQUALE CIPRO NETO

'Espiar' e 'expiar'

Escrever "um ministro insipiente" em vez de "um ministro incipiente" pode causar muito barulho

Na abertura da Assembleia-Geral da ONU, a presidente Dilma Roussef bateu firme no governo estadunidense, que, como já é público e notório, andou (e certamente ainda anda) bisbilhotando a vida de Deus e o mundo. Sem meias palavras, Dilma condenou o procedimento norte-americano.

Como se sabe, a palavra que nomeia essa safadeza é "espionagem". Quem procura "espionagem" num dicionário encontra como primeira definição "ato ou efeito de espionar". Bem, para encurtar as coisas, a família é grande: "espiar", "espião", "espionar", "espionagem" etc. Como se vê, o "s" ocorre em toda a família, já a partir da raiz latina.

Paralelamente a "espiar", existe "expiar", que significa "pagar crimes ou faltas; remir(-se); sofrer as consequências de" ("Houaiss"). É daí que vem o "bode expiatório", que nada mais é do que aquele que expia, ou seja, que paga pelo que não fez, que leva a culpa do que outros fizeram.

Palavras como "expiar" e "espiar", que têm grafia semelhante, pronúncia semelhante ou igual, fazem parte do grupo dos parônimos, um tanto abundantes em nossa língua.

Quem lida com a escrita formal precisa tomar cuidado para não trocar alhos por bugalhos. Antes de tratar de alguns exemplos, lembro que os corretores ortográficos instalados nos computadores nossos de cada dia não nos protegem de cochilos na hora de escolher entre "eminente" e "iminente", "insipiente" e "incipiente" etc. Os corretores não leem a frase, não entendem o contexto, portanto...

Como fazer? Tanto nas versões impressas quanto nas eletrônicas, os dicionários costumam indicar a eventual paronímia. Quem não sabe, por exemplo, se deve escrever "insipiente" ou "incipiente" ou não sabe que existem as duas formas vai a um dicionário de papel, abre-o, chega à letra "i", vai indo até o "in" e...

E é claro que chega antes a "incipiente" do que a "insipiente". Se houver pressa, a lambança está quase feita. Mal constata que existe "incipiente", o apressado fecha o dicionário e... Quem faz a consulta num dicionário eletrônico corre o mesmo risco, já que, assim que digita "incip", cai em "incipiente". Se o consulente não for até o fim, ou seja, se não ler as acepções da palavra procurada e, depois, não baixar os olhos para ver as inúmeras observações sobre a origem, a eventual paronímia etc., estará a dois passos de um possível equívoco.

Nesse tipo de caso, a boa consulta é aquela que vai até o fim, e o fim não é a "descoberta" de um eventual parônimo, que, quando existe, impõe ao consulente uma ida a esse verbete.

Trocando em miúdos: quem procura "incipiente" deve, primeiro, ler os significados ("que inicia, que está no começo; inicial, iniciante, principiante", na definição do "Houaiss"); em seguida, deve ler as observações e, ao constatar que se indica a existência de "insipiente", deve imediatamente marchar para esse vocábulo, que o "Houaiss" define como "não sapiente, ignorante; tolo, néscio; sem juízo, insensato, imprudente".

Não é preciso muito esforço para perceber o que pode causar a "simples" troca de "incipiente" por "insipiente" num texto, numa carta formal, numa petição etc. Escrever algo como "um ministro insipiente" no lugar de "um ministro incipiente" pode causar muito barulho.

Uma dupla perigosíssima é "lutoso/lutuoso". A palavra que tem relação com "luto" é a segunda ("lutuoso"). "Lutoso" (sinônimo de "lutulento") nada tem que ver com "luto" ou com o que é fúnebre, funesto.


De raiz latina, os adjetivos "lutoso" e "lutulento" têm relação com "lodo", "lama", "limo". Um pronunciamento "lutulento" (ou "lutoso"), portanto, é um pronunciamento cheio de lama (no sentido figurado, é óbvio), ou seja, que agride, ofende. É isso.