ANTONIO
PRATA
Me dê motivos
Quando
um casal começa a colar papel de parede, o Diabo senta em sua poltrona para
assistir
Se
você está bem com seu namorado, namorada, marido ou esposa, se acha que
encontrou sua cara-metade e que nada pode abalar vossa paz, sugiro um teste: experimentem,
juntos, forrar um quarto com papel de parede.
Caso,
meia hora após o início das hostilidades, digo, das atividades, ainda houver um
vínculo afetivo entre os dois, pode crer: é amor de verdade, desses capazes de
perdurar na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, de sobreviver a
shoppings em véspera de Natal e até --Deus lhes poupe-- ao nascimento de trigêmeos.
Colar
papel de parede, em casal, lembra muito estar perdido de carro, em casal: acusações
mútuas, soluções antagônicas, ansiedade, desespero. A diferença é que, ao se
perder de carro, você fareja o perigo, respira fundo e procura mentalmente as
barras antipânico que os levarão para longe da escaldante tensão conjugal.
Ao
papel de parede, contudo, os amantes se entregam álacres, ternos e tenros como
as criancinhas ao mar no filme "Tubarão". Afinal, trata-se de uma
melhoria para a casa, um gesto em nome da beleza, um desses bucólicos projetos
dominicais que parecem trazer consigo a confirmação de nossa felicidade, tipo
fazer pão, tomar banho de banheira, ir à Pinacoteca. Como desconfiar que a
meiga estampa colorida é o forro da tumba em que será sepultado o casamento?
Você
se lembra da época não tão remota em que colávamos adesivos no carro durante as
eleições? Então deve se recordar que, por mais cuidado que tomássemos, sempre
ficava uma ou outra bolha de ar. Agora, imagine 18 rolos adesivos de 1,20 m x 2
m sendo aplicados a quatro mãos --é esse o tamanho da encrenca.
Subindo
em duas cadeiras, você e sua cara-metade colam a pontinha do primeiro rolo, lá no
alto. O desafio é os dois irem puxando o papel vegetal por trás, desenrolando e
colando o troço de cima pra baixo, SIMULTANEAMENTE. Um milímetro que um lado (i.e.,
um cônjuge) vá mais rápido que o outro, o papel engrouvinha --e, acredite, a não
ser que vocês tenham feito anos de nado sincronizado ou sido discípulos do sr. Miyagi,
vai engrouvinhar.
Adiantando
o lado retardatário, vocês tentam reparar o erro, mas só piora: estrias
diagonais surgem de ponta a ponta. Aí, começam as acusações. Um diz que o outro
foi lerdo, o outro diz que o um é que se apressou. (Toda essa discussão, lembre-se,
está sendo travada em cima de cadeiras e com as mãos para cima, encostadas na
parede.)