23 de setembro de 2013 |
N° 17562
L.F. VERISSIMO
Nossa missão
Você e eu estamos na Terra para
nos reproduzir. Nossa missão é transmitir os nossos genes, multiplicar a nossa
espécie e dar o fora. Tudo o mais que fazemos, tudo a mais que nos acontece, ou
é decorrência ou é passatempo. O que vem antes e depois dos nossos anos férteis
é só o prólogo e o epílogo.
Se a Natureza quisesse otimizar
seus métodos, já nasceríamos púberes e morreríamos assim que nossos filhos, que
também nasceriam púberes, pudessem criar seus filhos (púberes) sem a ajuda dos
avós. Daria, no total, aí uns 35, 40 anos de vida, e adeus. O que resolveria a
questão demográfica do planeta e, claro, os problemas da Previdência. Mas a
Natureza nos dá o resto da vida – a infância e a velhice e todos os prazeres
extrarreprodutivos do mundo, inclusive os sexuais – como brinde. Como um
chaveiro, um agradecimento pela nossa colaboração.
A laranjeira não existe para dar
laranja, existe para produzir e espalhar sua própria semente. A fruta não é o
objetivo da planta frutífera, é o que ela usa para carregar suas sementes, é o
seu estratagema. Agradecer à laranjeira pela laranja é não entendê-la. Ela não
sabe do que nós estamos falando. Suco? Doçura? Vitamina C? Eu?! Você e eu
ficamos aí especulando sobre o que a vida quer de nós, e só o que a vida quer é
continuar. Seja em nós e na nossa prole, seja na minhoca e na sua.
Nossa missão, nossa explicação
são as mesmas do rinoceronte e da anêmona. Estamos aqui para fazer outros
iguais a nós. Isto que chamamos, carinhosamente, de “eu”, com suas
peculiaridades e sua biografia única, não é mais do que uma laranja
personalizada. Um estratagema da Natureza, a polpa com que a Natureza protege a
nossa semente e assegura a continuação da vida. Enfim, um grande mal-entendido.
E os que passam pelo mundo sem se
reproduzir? São caronas. Mas ganham o brinde da vida assim mesmo. A Natureza
não discrimina.