quarta-feira, 25 de dezembro de 2013


24/12/2013 e 25/12/2013 | N° 17654
LUCIANO ALABARSE

Sei não

Domingo ensolarado em Santiago do Chile, anos atrás. Alertado por uma notícia de jornal, mapa da cidade na mão e língua de fora, cheguei enfim à mostra das tapeçarias de Violeta Parra. Último dia, ninguém na exposição. Sozinhos, eu e os tapetes de Violeta, tapetes que, só Deus sabe por que, pertencem ao Museu do Louvre. Feliz como um pinto no lixo, cantarolei em voz alta a letra mântrica de Gracias a la Vida. Lembrei desse dia ao ouvir o disco comemorativo aos cem anos de Vinicius de Moraes.

Em uma das faixas Vinicius afirma que “a vida tem sempre razão”. Ainda bem que o Poetinha arrematou o verso com um matreiro “sei não”. Pois ando numa fase assim. Aos 60 anos, olho o mundo com mais dúvidas do que certezas, mais perguntas do que respostas. Quando uma ativista pacífica é presa por defender a integridade do planeta, e um motorista bêbado, após atropelar uma adolescente e fugir, responde por seu crime em liberdade, cantar os versos de Violeta só mesmo com a ressalva do Vinicius: sei não...

O protótipo do “homem cordial” nunca me pareceu tão distante do solo pátrio. Falta humor no cotidiano brasileiro. Há uma seriedade hostil e uma cobrança intolerante, mesmo em assuntos divertidos. Ou não é engraçado lulus trocarem impressões sobre o desempenho sexual de antigos parceiros?

Pensava eu que homem e mulher eram agentes iguais de satisfação recíproca, mas privacidade e discrição parecem coisas de um tempo ultrapassado. De onde vem essa onda de mau humor beligerante? Ainda é maravilhoso estar vivo, sim. Respirar. Aprender. Consentir. Meu sonho de consumo é envelhecer seguindo o modelo de dona Eva Sopher e Rui Spohr, cidadãos maiores desta nossa cidade intermitente.

No caixa do meu supermercado encontro revistas de celebridades muito bem feitas. Compro todas. Fico pensando que essa gente vive num mundo que decididamente não é o meu, cujo objetivo primordial, parece, é ilustrar capas sorridentes de revistas semanais. Mas, para cada Contigo folheada no café da manhã, leio um livro de verdade. Esses dias li com um prazer absurdo A Irmandade da Uva, um John Fante legítimo, somente agora publicado no Brasil. Fante, o escritor preferido do Caio F., é um mestre absoluto da narrativa curta.


Como a saudade do Caio bateu forte, emendei a leitura com a Poética, de Ana Cristina Cesar, outra de suas paixões. Toda a obra poética da Ana C. em um volume primoroso. Compre, aproveite e espalhe pelo mundo. Sendo essa a minha última crônica de 2013, desejo aos leitores um Feliz Ano Novo citando Clarice Lispector. Segundo Clarice, não importa que o novo ano seja ou não feliz; mas é importante que seja realmente novo. Então que venha o Novo Ano Novo! De novo.