sábado, 28 de dezembro de 2013


28 de dezembro de 2013 | N° 17657
CAROL BENSIMON

Na rua ou no mundo?

Eu tinha um desses telefones celulares muito simples e muito antigos, com uma parte que deslizava sobre a outra, uma pequena tela, e nada de internet. Saía para jantar. Todos os amigos vidrados em seus iPhones. Não preciso listar aqui as vantagens de se ter um celular com 3G. Um dia, nós queríamos saber o nome daquela música do Simply Red, e de repente lá estava ela.

Então, já não era o bastante. Assistimos ao clipe. Uma mulher gigante debruçada sobre dunas, aquela sobreposição bizarra de imagens, e finalmente alguma coisa preta grudada em um dos caninos do vocalista, Mick Hucknall. Ver aquele vídeo foi o pico da noite.

Dá pra dizer que virou quase uma luta de gerações, baby boomers x geração Y, você pode ficar com sua estética duvidosa, Mick, com seu céu de estrelas falsas, porque nós temos os celulares, o Facebook, nós temos o Lulu e os abusos da PM em tempo real. Nós temos Aline (vamos chamá-la de Aline) desfiando memórias escolares e, ao mesmo tempo, levando às últimas consequências uma discussão com o namorado via WhatsApp. Lide com isso, Mick.

O.k., vamos ser sinceros agora. Eu nunca engoli muito bem essa coisa de estar em dois lugares ao mesmo tempo, não fosse como uma maneira de aumentar exponencialmente minha já preocupante ansiedade. Sei que o sintoma não tem nada de pessoal (ou ao menos não só): é um reflexo do mundo de hoje como o era, no século 19, a histeria das mulheres vienenses. Você sabe exatamente do que eu estou falando. A ansiedade que vem da espera do próximo e-mail ou da próxima mensagem. A frustração quando não há nenhum e-mail e nenhuma mensagem.

Se todo mundo sente, significa que está tudo bem? Não necessariamente. Minha maneira de lidar com isso foi apelar para uma solução pessoal e irredutível: não me permitir estar conectada o tempo todo. Nada de celulares com 3G, portanto. Radical como colocar pimenta nas unhas de quem está habituado a roê-las? Talvez. Tenho certeza, no entanto, de que não sou a única e de que os mais corajosos optaram por abolir o uso dos celulares (neste preciso instante, aliás, gargalham com minha solução paliativa, hesitante, parcial, vergonhosa).


A propósito: aquele meu celular jurássico estragou. Semana passada, comprei um outro que me promete acesso ao mundo, mas declinei o convite e, quando saio na rua, é na rua que estou. Simples assim.