segunda-feira, 23 de dezembro de 2013


23 de dezembro de 2013 | N° 17653
PAULO SANT’ANA

O banquinho do suicídio

Não existe no Código Penal o crime de tentativa de suicídio. Existe o crime de indução ao suicídio, isto é, pune-se quem instiga ou auxilia outrem a suicidar-se. Mas não se pune quem tenta o suicídio.

Desconfio que sei por que não se pune quem tenta suicidar-se. A justificativa moral para não punir quem tenta o suicídio deve ser a de que não se pode castigar quem fez um mal a si próprio.

Enquanto a justificativa técnica para não punir a tentativa de suicídio deve ser a de que só pode ser punida toda tentativa de crime quando é possível punir quem vier a consumar o crime tentado.

Como é impossível punir quem comete o suicídio, desaparece totalmente a tentativa de suicídio. É muito bonito o estudo do Direito Penal. Só talvez por isso, eu cursei Direito.

O caso mais estupendo que conheço nas hipóteses de suicídio e homicídio é aquele em que um homem (A) procura o outro e diz que quer suicidar-se por enforcamento mas não tem um banquinho para subir nele, derrubar o banquinho e ver seu corpo dependurar-se na corda.

O homem (B) então sai a procurar um banquinho, encontra-o e fornece-o ao pretenso suicida. Morre por isso o suicida, e se pergunta: cometeu algum crime o homem que lhe conseguiu o banquinho? A resposta é clara: cometeu, sim, o crime de auxílio ao suicídio, artigo 122 do Código Penal.

Se, no entanto, o homem que foi conseguir um banquinho para o pretenso suicida enforcar-se for chamado pelo quase suicida porque este não consegue derrubar com o pé o banquinho que o fará despencar na corda, pedindo àquele outro para que dê um chute no banquinho e este o fizer, este homem que deu o pontapé no banquinho que crime cometeu, ele, que sobreviveu ao suicida?

O crime que cometeu foi de auxílio ao suicídio? Não, o crime que cometeu quem chutou o banquinho foi o de homicídio, que consiste em matar alguém.

Mas aí é que está a coisa: quem de qualquer forma colaborou para que o suicida morresse merece ser penalmente responsabilizado? Não. O carpinteiro que fabricou o banquinho colaborou para a morte do suicida. Mas não tem de ser responsabilizado. Porque não desejou, ao fabricar o banquinho, que ele servisse para o suicídio.

E o homem que chutou o banquinho para o enforcado suicidar-se tem de ser responsabilizado criminalmente porque, ao chutar o banco, objetivamente causou a morte do enforcado.

A intenção do homem que chutou o banco era a de matar materialmente o suicida, mesmo que isso não fosse do seu interesse pessoal. Não era de seu interesse mas pertencia à sua intenção objetiva.


É belo o estudo penal. E os leitores que tenham alguma dúvida sobre o que escrevi acima podem manifestar-se se por acaso tive algum deslize de compreensão neste comentário.