sábado, 28 de dezembro de 2013


28 de dezembro de 2013 | N° 17657
MOISÉS MENDES (INTERINO)

Arriba, Uruguai!

Só os muito atrevidos fumavam maconha no Uruguai dos anos 70. Conheci brasileiros que desafiavam os guardinhas de azul da polícia militar em Rivera e até tomavam chá de cogumelo dentro dos carros estacionados aos domingos à noite na Avenida Sarandi.

O país estava sob a ditadura feroz de Bordaberry. Recomendava-se aos sensatos que não se envolvessem em acidentes de trânsito, não encarassem os guardinhas e não assediassem as gurias uruguaias. Ouvia-se muito esta frase naquela época: sair da cadeia é um milagre no Uruguai.

Carros lotados de guris subiam e desciam a Sarandi nos fins de semana. Ninguém pegava ninguém. Mas se salvava o mundo no Enterprise até a meia-noite, depois descia-se as escadas da Cueva, o restaurante-buraco da boemia, tudo na Sarandi. Bebia-se Patricia, comia-se chivito. A noite era mais comprida em Rivera do que em Livramento.

O Brasil vivia o milagre econômico, o Uruguai estava na pior. Os guardinhas de azul viam qualquer barbudo como tupamaro. Morei no Uruguai quebrado e sufocado, num hotelzinho da Rua Agraciada. Admirava os estudantes de gravata, as gurias com saias plissadas de normalistas, os velhos empobrecidos, mas vestidos sempre com elegância. E os temidos guardas com as fardas puídas, calças remendadas entre as pernas e bainhas esfarrapadas.

Quando passo pela mesa do colega Léo Gerchmann, sinto um ciúme bom. Léo entrevistou o presidente Mujica há pouco. Eu e o editor de fotografia Jefferson Botega nos provocamos por anos: vamos tomar mate com o Mujica e depois comer morcilha no Mercado del Puerto. Léo e o fotógrafo Félix Zucco não ficaram só planejando. Foram lá e conversaram com Mujica.

Conheci o presidente uruguaio há três anos, quando Lula veio a Livramento. O brasileiro escapou da imprensa, Mujica encarou os jornalistas na saída do encontro. Eu, desinformado, esperava ouvir uma caricatura de governante latino, com a fala de personagem de García Márquez. Que nada. Ouvi um Mujica articulado, complexo, passando mais informação do que discurso. Falou em pé, não foi retórico e não disse um chavão durante a entrevista.

Este é o Mujica que impressiona europeus e americanos. O Uruguai merece um presidente que tenha a cara desse país cordial, tão parecido e tão diferente de nós – os gaúchos mesmo, não os brasileiros.

Os uruguaios estão entre os povos que mais têm armas em casa, mas vivem com índices de violência europeus. Há ali algo que nenhum outro país latino tem. Há uma fidalguia, uma delicadeza em extinção. Os uruguaios são finos e estão mais próximos de todo tipo de civilização do que nós.

Pegue uma semana das férias e vá ao Uruguai experimentar os ares dessa terra que está na moda. Não precisa ser para fumar maconha, mas para andar a pé por Montevidéu, sentar-se na amurada da praia de Piriápolis ao entardecer ou beber uma Patricia embaixo de uma árvore de um restaurante charmoso de Colonia.


E dizer que nós, aqui tão perto, pouco aprendemos com eles. Eu decidi agora, escrevendo este texto, que vou torcer para o Uruguai na Copa.