sábado, 28 de junho de 2014


29 de junho de 2014 | N° 17844
FABRÍCIO CARPINEJAR

Separações líquidas

Casar virou namorar, namorar virou ficar, ficar virou provar.

Acredito que todo mundo casa fácil porque é também muito fácil se separar.

Nos anos 70, o casamento era medido por décadas. Mesmo quando um casamento fracassava, durava no mínimo duas décadas.

Nos anos 80, o casamento era medido por anos. Mesmo quando um casamento desmoronava, durava no mínimo cinco anos.

O casamento hoje é por dia. Como se fosse hotel.

Agora, o matrimônio cobra diária. Todo dia é dia de se separar. E por qualquer coisa.

Las Vegas do divórcio é aqui.

Você pode sair de manhã, eufórico e confiante, extremamente disposto, seguro do romance, e quando voltar à noite não encontrar mais ninguém ao seu lado.

Se cometeu uma falha, nem terá oportunidade de se explicar. Se não errou, nem terá chance de entender e desfazer confusões.

É tão simples se divorciar que ninguém mais pretende se estressar. Não há nem o civilizado e educado aviso de despejo. É dar as costas, largar o passado e seguir adiante. Quebrou o amor, troca! Quebrou o amor, compra outro! Quebrou o amor, não vale investir consertando!

Os casais não brigam mais até cansar para, então, se separar. Não brigam mais até esgotar as possibilidades para, então, se separar. Não tentam durante semanas e semanas expor as dores, as feridas e a raiva para, então, se separar. Não recorrem ao choro, à histeria, ao perdão, ao abraço, ao exorcismo, aos centros religiosos, aos amigos, aos parentes para, então, se separar.

A separação vem antes. A separação é a regra. A separação é o hábito. A separação é seca, definitiva, sem explicações.

As pessoas se separam primeiro para depois discutir. As pessoas se separam primeiro para depois conversar. As pessoas se separam primeiro para depois desabafar o que incomoda.

Elas arrumam todas as malas, esvaziam os armários, realizam a limpa no apartamento e depois, se houver vontade, se encontram e sentam frente a frente para resolver as diferenças.

São uniões interrompidas com silenciadores, distante de estampidos e gritos.

Ninguém se separa de fato, todo mundo deserta, todo mundo abandona a convivência.

É uma irresponsabilidade extraordinária com o outro, é uma indiferença tremenda ao que foi construído com o outro, é um desprezo ao que foi sonhado a dois.

E os motivos podem ser os mais loucos e insignificantes. O desenlace não ocorre mais por justificativas duras como adultério e deslealdade.

Há gente que se separa por incompatibilidade de gênios (expressão que denuncia megalomania, o correto seria incompatibilidade de burros).

Há gente que se separa porque não suporta o medo de ser traído.

Há gente que se separa porque estava muito feliz e não aguentava tamanha pressão.

Há gente que se separa porque se viu entregue ao relacionamento e estava perdendo a identidade.

Há gente que se separa porque não sabia mais o que estava fazendo da vida.

Há gente que se separa porque não esperava que fosse assim.


Atualmente entra-se numa relação e não se fecha a porta – a porta permanece encostada o tempo inteiro.