sexta-feira, 27 de junho de 2014

Jaime Cimenti

E palavras...

Essa luz dos céus de Porto Alegre em abril, maio ou junho parece originada de uma descomunal lâmpada dicroica e pousa suave nas folhas douradas das superfícies ensaibradas do Parcão, onde caminho para ativar a circulação da cidade e a minha. Em certos bancos, como sempre, algumas pessoas estão sentadas, sozinhas ou não, e almoçam o gostoso e alentador cachorro-quente fornecido numa camionete próxima. Muitos não compraram água mineral ou refrigerante para acompanhar o lanche.

Talvez aproveitem, depois, a água gratuita dos bebedouros públicos, que eu tomo há décadas e nunca me fez mal. É almoço de uns cinco reais, tocando a vida, quem sabe, acompanhado com um solzinho, uns sonhozinhos, esperanças de emprego, saúde, segurança e educação melhores. Não é só de madrugada que o cachorro-quente é o melhor amigo de muitas pessoas.

Vou seguindo meu caminho, imaginando que o laguinho do Parcão é a Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, e que a passarela da Goethe parece a do aterro do Flamengo. Com esse visual do Parcão, penso que os Jardins de Luxemburgo de Paris, o Central Park de Nova Iorque e o Hide Park londrino estão aqui, sem passaporte, problemas aviatórios, diárias exorbitantes de hotéis e outros altos custos.

Vou andando, ouvindo papos da gurizada falando de festas, amores e desamores; senhoras falando de dietas, roupas, penteados, trabalho, amigas, ex-amigas, maridos, ex-maridos, pensões e ex-pensões; aposentados falando sobre aposentadorias, filhos, netos e alguns passados que teimam em andar pelo presente. No início, no meio e ao fim e ao cabo da caminhada, me apodero da alegria de ver, com todo o respeito, claro, mães, vovós, crianças e babás, tão bonitinhas, na pracinha dos brinquedos.


Ah, claro, o atleta-símbolo do Parcão está no banco central, se exercitando, como sempre, há décadas, mostrando sua disposição e sua lataria de dar inveja e inspiração aos outros desportistas do pedaço. Depois da água de côco, alimento só menos saudável que o ovo, feliz e infelizmente é preciso tomar o rumo de casa, do trabalho e se envolver com as guerras, as pazes, as alegrias e as tristezas das diversas copas do mundo que travamos no cotidiano dessa vida.