segunda-feira, 16 de julho de 2018


16 DE JULHO DE 2018
L.F.VERÍSSIMO

Patetice


Não se conquista a fama de pateta com pouca coisa. Você tem que merecê-la com comprovados exemplos de patetice. Existe uma graduação, de distraídos a sonsos, cuja categoria máxima é a do pateta reincidente, o pateta irremediável. Por exemplo: eu. Minha mulher diz que meu problema não é falar pouco, é falar pouco e na hora errada. 

Uma vez fomos jantar na casa do embaixador brasileiro em Paris e sentei ao lado do Nelson Freire. E passei todo o jantar falando com o Nelson Freire como se ele fosse o Miguel Proença. O Nelson Freire não acusou a gafe e respondeu educadamente a todas as minhas perguntas sobre o domicílio, a agenda de concertos e a vida pessoal do Proença, sem dúvida recorrendo à ficção. Pelo menos acertei o instrumento que os dois tocam.

Outra vez, também em Paris, encontramos o Gerald Thomas no La Coupole com uma namorada chamada Daniela. Eu disse que já conhecia a moça e perguntei pelo seu pai. A moça estranhou que eu já a conhecesse e a seu pai. Respondeu que o pai ia bem, obrigado. Só quando estávamos na rua, a Lucia me informou que aquela não era a filha do Ziraldo, era outra Daniela. Para minha sorte, ela não respondera que o pai tinha morrido. Foi patetice, sim, mas o Gerald Thomas bem que poderia ser mais original na escolha de namoradas.

Eu fazia parte de uma banda chamada Jazz 6. Tínhamos sido convidados para tocar num evento, mas eu não me lembrara de anotar o endereço. Sabia qual era a zona, mas não sabia nem o número nem o nome da rua. Passei por um prédio com manobristas na frente e decidi: é aqui. Informei ao porteiro que eu era da banda e ele me encaminhou para o elevador de serviço. Entrei no belo apartamento pela cozinha. Ainda não tinha chegado mais ninguém da banda. Eu conhecia o dono do apartamento e logo peguei uma taça de champanhe do mordomo que passeava pela cobertura e entrei na conversa. 

Era um começo de noite com lua cheia, a temperatura na cobertura e do champanhe era perfeita, a conversa era agradável, os canapés eram deliciosos, a vida era bela... mas a banda não chegava. Chamei a organizadora do jantar para um lado e perguntei se a banda iria tocar ali naquela noite, já antecipando que a patetice me preparara outra. Não, disse ela. Eu era um penetra involuntário. Pedi desculpas para o anfitrião e, não sem antes terminar o que restara de champanhe no meu copo, desci. Envergonhado, mas pelo elevador social.

L.F.VERÍSSIMO