quarta-feira, 25 de julho de 2018


25 DE JULHO DE 2018
NÍLSON SOUZA

Congelados


Vem aí uma novela protagonizada por ressuscitados que não são zumbis de filme de terror nem outro tipo de assombração, mas, sim, a materialização ficcional do sonho humano da preservação do corpo e, quem sabe, da vida eterna. Pelo que li nas resenhas de pré-lançamento, a família de Dom Sabino (Edson Celulari), congelada em 1886 e requentada nos dias atuais, levará, acima de tudo, um choque de tecnologia - e dos seus efeitos nas relações interpessoais. 

O Tempo não Para, que estreia na Globo no próximo dia 31, promete diversão e reflexão sobre a extraordinária mudança comportamental pela qual todos estamos passando nas últimas décadas. Eu, pelo menos, me sinto como se fosse obrigado a descongelar todos os dias - e não estou falando deste inverno traiçoeiro que assola a nossa querência amada.

Basta olhar para o título da nova novela: onde vamos parar sem aquele acento no verbo parar? Certo, já assimilei a maioria das mudanças da última reforma ortográfica (que entrou em vigor em 2009, vejam só!), mas de vez em quando ainda me surpreendo com palavras que eu mesmo escrevo e que agridem antigas convicções gramaticais. Descongelar em outra época é isso, o que aprendemos e passamos a vida praticando perde o valor.

Outro dia, conversava com minha mulher (ao vivo, não por Whats) sobre a importância do fogão a lenha na convivência social das famílias de antigamente, que é como chamamos o tempo da nossa infância e adolescência. Era em torno da chapa aquecida que as pessoas se reuniam para o mate, para o café ou simplesmente para o bate-papo das horas de lazer. A cozinha era o centro da comunicação. Depois, o rádio e a televisão levaram as pessoas para a sala, mas aí as conversas já rareavam porque era preciso ouvir ou prestar atenção na novela. Por fim, o computador e os celulares acabaram de vez com a comunicação afetiva, com o olho no olho, com o toque no braço para garantir a atenção.

Hoje, por ironia, estamos congelados pela tecnologia. Com raras exceções, sequer fazemos uma ligação para um amigo no Dia do Amigo, oferecendo-lhe o calor e o carinho da nossa voz. Na maioria dos encontros e celebrações, o que se vê são pessoas sentadas à mesma mesa, mas hipnotizadas pelas telinhas de seus smartphones. As carinhas amarelas substituíram beijos e abraços.

É só uma constatação, não estou querendo que a família do Celulari volte para o iceberg. Os avanços tecnológicos chegaram para ficar, ou para serem substituídos por outras inovações. Não se trata de saudosismo, nem de defender o retorno do fogão a lenha para as nossas cozinhas urbanas e automatizadas. Só estou pensando - e convidando leitoras e leitores a refletir comigo - se não seria sensato e adequado administrar melhor a nossa rotina tecnológica, separando um tempinho para encontros pessoais, abraços ao vivo e conversas ao pé do ouvido, como se dizia antigamente.

Nem que seja apenas para comentar as cenas mais divertidas da próxima novela.

NÍLSON SOUZA