domingo, 22 de julho de 2018


21 DE JULHO DE 2018
VARIANDO

SEM PALAVRAS


Você já ficou sem palavras? Aquela situação que pede que algo seja dito, mas o cérebro trava. Sabemos que devemos intervir, mas a garganta vira deserto. Um causo para exemplificar:

Cidade do Interior pode ser um tédio. Para fugir da mesmice de Carazinho, minha amiga e eu fomos bater perna em Passo Fundo. Fazíamos ocasionalmente. Pegamos um ônibus e em menos de hora estávamos lá, vagabundeando em outra paisagem.

Satisfeitos com a andança, esperávamos o ônibus na avenida para voltar. Eis que surge na esquina o carro do pai dela. Que sorte, iríamos para casa no conforto. Era um carrão, desses que não havia dois na região. Uma astronave reconhecível ao longe.

Quando ele se aproxima, pouco antes de fazermos sinal, a surpresa. Esse senhor estava acompanhado de uma garota de programa jovem, praticamente da nossa idade. Pelo menos foi o que eu pensei e foi o que ela pensou. Creio que, se perguntássemos para cada paralelepípedo da Avenida Brasil Oeste, eles seriam unânimes em concordar conosco. Na década de 70, os sinais externos de certas condições gritavam mais.

Ele fez que não nos viu. Nós fizemos que não o vimos. Então, o silêncio chegou. Minha amiga conteve o choro por fora. Chorava a seco por dentro. O pateta que vos conta não conseguiu dizer nada.

Voltamos em um ônibus que durou uma era geológica para chegar. Acompanhei-a até sua casa e me despedi dentro do mesmo mutismo. O silêncio abafava os sons da rua, só ouvia meu cérebro desafinado. A presença ao seu lado foi o que pude oferecer. No outro dia, apenas perguntei se ela estava melhor. Nunca falamos sobre o ocorrido.

Constatar que nossos pais não são como os idea- lizamos é uma tarefa do crescimento. Na puberdade começamos e na adolescência terminamos de enterrar os super-heróis paternos e maternos da infância. Não é uma tarefa fácil e costuma ser em prestações. Minha amiga pagou à vista.

Mas uma coisa é descobrir que os pais são humanos, portanto falhos, como o resto do planeta. Outra é que o pai é um escroto, para usar um termo técnico. O cruzamento dos eventos a abateu. Uma cena e duas descobertas, resultando em um nocaute moral paterno inapelável.

Meu drama era não estar à altura do evento. Fiquei espelhado ao seu sofrimento ao invés de ajudá-la. Solidariedade burra. Faltaram palavras de consolo. Algo que lhe tirasse a dor, que a fizesse se sentir melhor.

Eram outros tempos. A canalhice de certos homens era considerada um direito de gênero. Havia uma teia de silêncio sobre as puladas de cerca. Até algumas mulheres acreditavam que eram normais.

Nosso silêncio daquele dia era como uma lei. Disso não se fala. Mas o que dizer nesses casos? O que você diria? Penso na frase faltante desde então. Não me ocorre nada melhor do que: - Teu pai não te merece.

MÁRIO CORSO