sábado, 13 de janeiro de 2024


13 DE JANEIRO DE 2024
FRANCISCO MARSHALL

A FILA ANDA

Na terça-feira, Porto Alegre viveu evento sintomático de seus afetos políticos e da disputa que há em torno da ideia de cidade e da democracia no local em que vivemos. Tratava-se da eleição de representante para a região 01 (central) da cidade no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA), e de delegadas(os) para o respectivo Fórum Regional de Planejamento, biênio 2024-25. Para estes fins, a cidade está zoneada em oito regiões e seus moradores ou trabalhadores sediados têm direito a voto. O CMDUA trata de assuntos do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA), que lhe define 14 atribuições consultivas e deliberativas. Em pauta, as questões centrais: que cidade é esta? Qual a cidade que queremos?

A votação na Câmara Municipal estava prevista para ocorrer no estranho horário entre 17h e 20h, mas estendeu-se até 0h50min do dia seguinte. A imensa fila, com espera por muitas horas, em condições adversas, declarava o clamor por democracia e por uma cidade melhor. O resultado evidencia o que já temos visto em outros cenários políticos, com opções nutridas por boas éticas em favor do povo, com ódio ao agressor e amor à vida bela.

A disputa no CMDUA decorre da voracidade despudorada com que parte do setor imobiliário avança sobre a cidade, devastando o patrimônio histórico, desconfigurando bairros e a estrutura urbanística, impondo estética única de prédios altos e luxuosos, apropriando-se de áreas públicas, desdenhando demandas sociais, critérios ambientais e tecnologias contemporâneas, manipulando governantes e representantes e, como se não bastasse, abusando do poder financeiro para subverter a democracia. 

Ora ferramentas vis do coronelismo foram utilizadas por esta parte viciada do patronato imobiliário: levaram em transporte pago povo cooptado e induziram o voto por meios que ainda não sabemos bem. Coerção? Compra? Promessas? Chantagens? Urge que se investigue e se coíba esse notório delito praticado com ilegalidade e covardia.

Esse segmento é movido pela ambição desmedida de meia-dúzia de megamilionários que se julgam donos da cidade, já enriquecidos com dinheiro suficiente para muitas gerações viverem com luxo, mas que não abrem mão de sua cupidez insaciável. Portam-se como aves de rapina, querem sempre mais, e, neste caso, à custa da cidade e da democracia.

São "parte do setor imobiliário" porque a cidade conta também com empreendedores capazes de praticar excelente arquitetura e de cooperar com o desenvolvimento urbanístico de Porto Alegre. É possível uma PoA bela, que zele com capricho de suas áreas públicas, sem entregá-las em negociatas, mas adornando-as com recantos afáveis, uma cidade que se arborize, que cuide de seus serviços essenciais, sensível à demanda social e à busca da harmonia, que promova a qualidade de vida e o desenvolvimento sustentável com alegria, uma pólis viva em arte e cultura. Na cidade isso é possível, sim, desde que o queiramos e declaremos onde pudermos, nas ruas, em nossas trajetórias sociais e profissionais, na opinião e no voto. Afinal, a fila anda.

FRANCISCO MARSHALL

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