quarta-feira, 31 de janeiro de 2024


31 DE JANEIRO DE 2024
OPINIÃO DA RBS

ESPREITA IRREGULAR

São graves as suspeitas de que o governo Jair Bolsonaro teria montado uma estrutura paraestatal de bisbilhotagem para monitorar adversários políticos e outros cidadãos considerados potencialmente inimigos de sua gestão. Os indícios conhecidos até agora apontam para o possível uso de agentes públicos lotados na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e de tecnologias adquiridas pelo órgão para controlar passos de opositores de forma ilegal, ainda não se sabe com qual finalidade.

A democracia não comporta uma deturpação do gênero. A Abin, seus servidores e meios devem ser empregados de acordo com os interesses do Estado brasileiro, e não para o proveito particular ou político do governante de turno. Trata-se de uma agência a serviço da instituição Presidência da República e dos ministérios, com a missão legal de auxiliar com informações e análises estratégicas. Não é admissível que seja usada para fins pessoais.

A seriedade do caso exige uma investigação profunda para o esclarecimento do que ocorreu, quem são as pessoas envolvidas e as motivações. É de extrema importância, ainda, vir a público a lista de vítimas da espreita ilícita, espionadas sem qualquer justificativa ou determinação judicial.

As apurações por parte da Polícia Federal (PF) tiveram início com a revelação do jornal O Globo, em março do ano passado, sobre o uso irregular do software First Mile, adquirido pela agência em 2018, para vigiar por geolocalização de telefones celulares a movimentação de ministros do STF, governadores, parlamentares, policiais, advogados e jornalistas. Soube-se depois que seriam ao menos 1,5 mil aparelhos monitorados. A estrutura da agência também teria sido utilizada para auxiliar a defesa de filhos do ex-presidente em processos judiciais.

Os lances mais recentes ocorreram nos últimos dias. Na semana passada, a PF deflagrou operação contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Abin. Na segunda-feira, o principal alvo foi o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do ex-presidente. Há elementos relevantes a indicar uma atuação antirrepublicana, como a mensagem em que uma assessora de Carlos pede a Ramagem informações sobre inquéritos relacionados à família Bolsonaro.

Precisa ser lembrado que as suspeitas relativas a uma "Abin paralela" são mais antigas. Em março de 2020, em uma entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura, Gustavo Bebianno, ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência da República de Bolsonaro, revelou que Carlos, no início de 2019, surgiu com o nome de um delegado da PF e de três agentes que fariam parte da tal agência de informações extraoficial. Na famigerada reunião ministerial de 22 de abril de 2020, o próprio Jair Bolsonaro mencionou que se valia de um sistema de inteligência particular.

As apurações policiais, porém, devem transcorrer sem qualquer abuso ou violação às prerrogativas dos investigados. Os cuidados necessários incluem operações sem espetacularização, sem margem para a politização ou atitudes que alimentem teorias de perseguição. A ampla defesa e o direito ao devido processo legal precisam ser assegurados. O Brasil conhece bem investigações rumorosas do passado recente que acabaram em impunidade por excessos e irregularidades cometidos por agentes do Estado. A Abin, seus servidores e meios devem ser empregados de acordo com os interesses do Estado brasileiro, e não para o proveito particular ou político do governante

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